Que isso gere muita preocupação - tanto quanto os efeitos catastróficos de mudanças climáticas, que hoje nos espantam como nunca - é perfeitamente compreensível. Nem assim se justificam, no entanto, matérias jornalísticas que mais parecem folhetos de propaganda de laboratórios, a estimular a corrida a remédios "milagrosos", como se se tratasse dos últimos salva-vidas disponíveis no iminente e tenebroso dilúvio - produtos esses, aliás, nada baratos, por cuja otimização mercadológica a indústria farmacêutica, penhorada, agradece.
Fala-se de pessoas que já estão estocando caixas do antiviral tamivir e a procura desse medicamento - fabricado pela Roche - aumenta, substancialmente, a cada dia. (Curiosidade: precisará receita médica para adquirir remédio contra doença ainda, basicamente, potencial?) Mas os que julgam prevenir-se da pandemia, apenas com esse estoque de antiviral, deixam de levar em consideração algumas coisas.
Primeiro, que toda droga tem seu prazo de validade. Segundo, que não se sabe o volume do medicamento antiviral que se fará necessário para combater os vírus mutantes da gripe. Terceiro, que é de todo improvável um só fabricante, detentor de patente de um medicamento - cuja caixa com 10 comprimidos não sai por menos de R$ 100,00 -, dar conta de fornecê-lo para todos os que o necessitem, no caso de combate a uma pandemia. Quarto, que nem há comprovação de que esse remédio funcionará com novos vírus.
Eis por que tem toda razão o secretário de Vigilância do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa, quando diz que essa corrida às farmácias terá apenas um efeito certeiro: menos dinheiro no bolso dos consumidores. "Não há nada que comprove que o remédio será eficaz numa eventual epidemia. O novo item na farmácia caseira trará apenas uma falsa sensação de segurança" - observou o secretário. Mesmo admitindo ser crescente o risco de uma epidemia provocada por um supervírus de gripe, Barbosa adverte que não pode haver arma infalível contra inimigo que ainda não surgiu.
Para alguns especialistas, a maior ameaça de pandemia vem do vírus que causa a gripe aviária, que já matou 60 pessoas nos últimos anos. Da galinha, o novo vírus - o H5N1 - que surgiu na Ásia atingiu criações de 11 países e contaminou mais de 100 pessoas, desconhecido do sistema imunológico humano, passaria para o homem e se propagaria por nossa espécie.
Mas o fato é que, até agora, esse vírus não foi transmitido de humano para humano. Além disso, como afiança o secretário Barbosa, "nenhum estudo foi feito mostrando que o tamivir é eficiente para o H5N1". Ele também nos dá conta da estratégia que o governo brasileiro adota em relação ao problema, ao negociar uma eventual licença voluntária da patente do tamivir: "Seria uma carta na manga, que nos comprometeríamos a usar somente em caso de pandemia" - arremata. Nesse caso, tal estratégia seria reforçada pela posição da Organização das Nações Unidas (ONU), em favor da "licença compulsória", tendo em vista garantir o fornecimento do medicamento aos países pobres. Lembremo-nos de que nesse campo o ex-ministro da Saúde José Serra obteve um bom precedente, na liberação da produção de remédios contra o HIV.
É verdade que não só em nosso país está havendo uma corrida a até agora julgada, por muitos, a melhor droga de combate à futura gripe - ou seja o Tamiflu (tamivir) da empresa farmacêutica suíça Roche. A febre (de ansiedade) contra a febre (da gripe futura) tem chegado a ponto de o laboratório suíço temer, agora, os saques em seus depósitos do medicamento, pelo que tem adotado medidas de segurança mais reforçadas, em sua proteção. O que prova que tudo tem seu preço - inclusive o excesso de sucesso mercadológico, como temos visto, também em outros campos.