Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 22, 2005

ZUENIR VENTURA A barbárie vai à escola

A barbárie vai à escola


O educador Lauro de Oliveira Lima passou grande parte de seus 86 anos ensinando a ensinar, ou seja, desenvolvendo um sistema pedagógico, o "método psicogenético", para aplicar à educação brasileira, que ele acredita estar, do ponto de vista didático, na Idade Média, enquanto nos encontramos na era do satélite. Sem incorporar a contribuição das novas tecnologias, "o professorado brasileiro comporta-se ainda como o 'lector' medieval recitando pergaminhos. Não atingiu sequer a Galáxia de Gutemberg".


Discípulo do psicólogo suíço Jean Piaget, de quem divulgou as teorias, Oliveira Lima defende o princípio de que, em vez de ser "informador", o professor deve ser "orientador". "O professor não ensina; ajuda o aluno a aprender." Como seu mestre, ele estudou e pesquisou os processos do conhecimento e os mecanismos da inteligência humana como capacidade de resolver problemas.

Conheci Lauro nos anos 70, quando chefiava a redação da sucursal Rio da revista "Visão" e ele era um colaborador meio clandestino porque a ditadura militar considerava suas idéias subversivas. "Havia sempre uma ordem do Exército me proibindo de falar e escrever; logo eu, que sempre me achei inerme", ele lembra com bom humor, obrigando-me a ir ao dicionário para saber que inerme significa indefeso, desarmado, inofensivo.

Bem ou mal, Lauro resistiu à ditadura, fundou uma escola modelo, A Chave do Tamanho, que sua filha Ana Elizabeth dirige. Esta semana, depois de 33 anos, resolveram fechá-la e transferi-la de São Conrado para o Recreio. Não resistiram à ditadura do tráfico, com seus tiroteios, assaltos, extorsão e ameaças de bomba. "Nunca pensei que fosse viver para ver isso", diz Lauro, e sua filha acrescenta: "A ditadura militar a gente sabia que um dia ia acabar; a dos traficantes, não se sabe quando."

De fato, depois de exercerem sobre as favelas o domínio total — militar, econômico e político — os traficantes estão estendendo ao asfalto o seu poder, que é cada vez mais forte do que os poderes da República. O fechamento da escola dos Oliveira Lima, a exemplo do que já tinha acontecido há pouco com o Colégio Bahiense e do que pode vir a acontecer com outros estabelecimentos de ensino, é apenas mais um sinal de uma capitulação carregada de simbologia: no Rio, a inteligência, as idéias, o pensamento estão sendo definitivamente derrotados pela barbárie. E diante da impotência das autoridades, como se fosse um processo natural e irreversível.

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