Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, outubro 17, 2005

A triste realidade Alcides Amaral

O ESTADO DE S PAULO
 Em suas aparições quase diárias, o presidente Lula não deixa de lembrar aos brasileiros que estamos passando por um "período virtuoso", que estamos "no caminho do desenvolvimento sustentado". Tudo seria muito bonito se essa fosse realmente a realidade para todas as empresas e todos os que habitam este país.

O que vemos é, sim, o Brasil crescendo em alguns setores privilegiados, especialmente as grandes empresas voltadas para as exportações e o setor financeiro. O cenário internacional é favorável, o mundo é comprador, há abundância de liquidez, os juros internacionais ainda são baixos e atrativos. Mesmo assim, nossa economia deverá crescer em 2005 algo entre 3,3% e 3,5%, enquanto a economia global estará evoluindo mais de 4% e os países emergentes, onde nos situamos, crescerão mais de 6%. Não há como negar que estamos melhor quando comparados a anos anteriores, mas ainda muito abaixo da nossa potencialidade e do que acontece ao redor do mundo. Tanto é verdade que entre 43 países avaliados pelo Indicador de Competitividade da Fiesp, com dados entre 1997 e 2003, estamos em 39º lugar. Isto é, perdemos vergonhosamente em competitividade, incluindo países como a Argentina (recém-saída de moratória) e a Venezuela, que sobrevive à custa do petróleo.

Entretanto, o que realmente demonstra que estamos longe do "desenvolvimento sustentado" é o estado de penúria da maioria das nossas pequenas e médias empresas. Entre 80% e 90% das que precisam de algum crédito bancário para viver não conseguem pagar os seus impostos em dia. Nossos juros, os mais altos do mundo, tornam o crédito bancário oneroso e inviabilizam as empresas que dependem dele para fazer frente aos seus compromissos. Não bastasse, temos igualmente uma das cargas tributárias mais altas do mundo e, o que ainda é pior, continua crescendo e batendo recordes sucessivos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), a carga tributária brasileira deverá alcançar 37,5% do PIB no fim do ano. Além desses valores, que falam por si sós, o Fórum Econômico Mundial, em recente estudo, considera o sistema tributário do País o mais ineficiente entre 117 países pesquisados. E não é difícil entender o porquê dessa situação. Ainda de acordo com o IBPT, de 1996 para cá mais de 6 mil normas tributárias foram editadas a cada ano, atingindo o recorde em 2004, quando 8.819 novas normas vieram complicar ainda mais a vida das empresas e dos brasileiros. Até o começo deste mês de outubro, 5.830 novas normas foram editadas, o que demonstra a impressionante capacidade da nossa burocracia de complicar a vida de quem escolheu o Brasil para viver e ter o seu negócio. O presidente da Associação Comercial de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, informa que "as empresas gastam hoje de 1,5% a 2% do faturamento bruto apenas com administração tributária".

Não é por outra razão que, devido às crescentes dificuldades das empresas, a Fiesp elaborou novo projeto de refinanciamento das dívidas tributárias, cuja proposta já se encontra nas mãos da equipe econômica para análise e aprovação. Injusto para as empresas que procuram, de todas as maneiras, pagar seus impostos em dia, mas, sem dúvida, se trata de mais uma tentativa de pôr todas as pequenas e médias empresas dentro da legalidade. O Refis 1 (Programa de Recuperação Fiscal) não conseguiu atingir os objetivos propostos, visto que, das 129.177 empresas que aderiram ao programa, hoje restam pouco mais de 25 mil. Em 2003, um segundo programa - o Paes - foi aprovado e implementado e os resultados também não são animadores. Dos 374.635 contribuintes inscritos, pouco mais de 200 mil permanecem no programa, cumprindo os compromissos assumidos. É convicção da Fiesp que as empresas em dificuldades têm de ter alternativas para equacionar suas dívidas, mesmo porque os valores já envolvidos são bastantes significativos. O estoque de dívidas tributárias do Refis é superior a R$ 52 bilhões, enquanto o estoque do Paes é ainda maior, superior a R$ 75 bilhões.

De acordo com informações do Departamento Jurídico da Fiesp, há boa vontade do governo em tentar buscar essa solução, que seria quase que definitiva, pois abrigaria as empresas que já estão nos programas anteriores e as que ainda não aderiram a programa algum. É uma proposta que está sendo negociada com o governo Lula em diversas áreas para - se e quando aprovada - ter o "referendum" do Congresso.

É, pois, uma iniciativa louvável a da Fiesp e a expectativa é que nossas autoridades em Brasília encontrem tempo para fazer com que ela se torne realidade o mais rápido possível. Isto feito, cremos igualmente que está chegando a hora de trabalharmos nas causas, e não apenas nas conseqüências. Os juros precisam cair urgentemente, antes que seja tarde demais, isto é, fatos novos façam o Banco Central manter sua política monetária conservadora, que mereceu "nota zero" do vice-presidente da República, José de Alencar.

Passo seguinte, que o ministro Palocci não só cumpra sua promessa de não aumentar a carga tributária em 2005, mas, principalmente, dê início a um processo de redução sistemática ao longo dos próximos anos. Ninguém pretende que a carga tributária caia dos atuais 37,5% do PIB em alguns meses ou anos. Mas o que não é aceitável é deixarmos tudo como está, com o Estado avançando cada vez mais no bolso do contribuinte. Se quisermos um País justo, e não essa triste realidade em que vivemos, a hora da virada tem de ser agora, neste governo. Menos palavras e mais ação é o que exige o povo brasileiro.

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