Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 25, 2005

DORA KRAMER Ao gosto do freguês

Ao gosto do freguês

dkramer@estadao.com.br

DORA KRAMER

Governo e oposição fazem a leitura que lhes interessa sobre resultado do referendo A lógica do "pensar mais fácil", que presidiu a campanha do referendo sobre o comércio de armas, pauta também as análises a respeito dos resultados.

A oposição lê a vitória do "não" sob a ótica simplificada da rejeição ao governo e a situação não vê relação entre uma coisa e outra; chega até a enxergar na vitória do "sim" o renascimento de uma onda conservadora na sociedade, como se a questão da segurança, assim como a economia, pudesse ter qualificação ideológica.

Seria de se perguntar a ambas as forças políticas em combate: e se o "sim" tivesse saído vitorioso, a oposição diria que houve aprovação ao governo? E a situação, enxergaria o ressurgimento de uma onda progressista na opinião pública?

Trata-se, pois, de uma interpretação escapista por parte de dois grupos políticos que fracassaram fragorosamente na oferta de resposta social eficiente à falta de segurança do cidadão e ao crescente armamento de espíritos entre a população.

A aliança PSDB-PFL ficou oito anos no poder sem avançar um milímetro na tarefa de garantir o direito à vida da coletividade, de combater a criminalidade e de contribuir para o retrocesso do crescimento da violência no cerne das relações sociais.

O PT está há três anos no poder e, da mesma forma, ignorou a questão, no essencial com o mesmo argumento dos antecessores: segurança pública é atribuição estadual, não federal. Há, é claro, o componente do protesto. O PT sofre o prejuízo maior porque está no governo, mas a queixa é extensiva, ampla, geral e irrestrita.

No referendo, levaram suas excelências para casa o seguinte desaforo - muito bem posto, aliás: o Estado não é confiável o bastante nem dispõe de moral suficiente para proibir as pessoas do que quer que seja na área de segurança.

Inclusive porque a proibição do comércio de armas é tão irrelevante para os resultados de combate ao crime como seria a redução da maioridade de 18 para 16 anos.

Neste caso, a bandidagem usaria crianças de 15, 14, 13, como de resto já faz. Naquele, o produto imediato seria o incremento do mercado negro de armas.

No lugar de PT e PSDB procurarem adaptar os resultados da consulta ao gosto dos respectivos fregueses, conviria que parassem com politicagens pueris e levassem a sério o mau humor da Nação.

Razões jurídicas

O ministro Carlos Velloso, cuja conduta no habeas-corpus de Flávio Maluf foi criticada no artigo "Magistratura participativa", envia mensagem para expor suas razões.

Aliás, o ministro começa informando que o voto se assentou "em razões jurídicas" e continua: "É certo que declarei que poderia imaginar o sofrimento de um pai preso na mesma cela de um filho e que isso me sensibilizava. Essa frase representou simplesmente algo que é proferido incidentalmente no julgamento de uma causa, a título de mera ilustração."

"Outra coisa: não tenho nenhuma 'camaradagem' com o prof. José Roberto Batochio, com quem conversei não mais que umas três vezes na vida, se tanto. O dr. Batochio, aliás, não me queria como relator do habeas-corpus, tanto que apresentou recurso de agravo contra a decisão do presidente do tribunal que mandou redistribuir os autos a mim."

"Após o julgamento, quando, na companhia de colegas, cumprimentava advogados que freqüentam o Supremo, cumprimentou-me ele sorridente porque ganhara o habeas-corpus."

"Eu sou um homem que sorrio. Correspondi ao cumprimento também sorrindo. Neste momento, fotógrafos funcionaram suas máquinas. Pode parecer que houve 'efusividade', mas na realidade, isto não ocorreu, creia-me."

"Também não quis discutir condições carcerárias, ou condições das penitenciárias brasileiras. Se quisesse, penso que num julgamento poderia o juiz fazê-lo, pois é no julgamento que o juiz fala com legitimidade."

"Tratava-se de prisão sem culpa formada, que eu entendia ilegal. Então, parece-me que a consideração que fiz a respeito da precariedade do tratamento médico a um homem doente se justificava."

"Na minha carreira de magistrado, que já vai longe e está prestes a se encerrar, sempre pautei minha conduta na linha da sentença de Santo Agostinho: tratar com rigor o crime, o delito, a contravenção, mas com caridade o homem que está no banco dos réus. Não seria no crepúsculo de minha carreira que agiria de outra forma."

"Quando estudava os autos do habeas-corpus veio-me à mente que todas essas incompreensões poderiam ocorrer, que a mídia haveria de criticar-me, já que o réu é pessoa de certa forma polêmica. Mas se tivesse eu decidido de desconformidade com a minha ciência e consciência, certamente que o remorso haveria de ser, pelo resto de minha vida, inseparável companheiro."

Razões expostas, cumpre registrar apenas que no artigo referido não havia reparos ao conteúdo do voto. Ao contrário, havia a ressalva de que a atitude em relação ao advogado e a comiseração no tocante aos réus com certeza não tinham influenciado a decisão, mas sim causado a impressão ao público de que perante a lei uns são mais iguais que os outros.


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