Um por todos e todos por um
Ferreira Gullar, Folha de S. Paulo (30/10/05)
A afirmação recente de Delúbio Soares de que em três ou quatro anos o escândalo do "mensalão" será esquecido e tudo "acabará virando piada de salão" vem simplesmente explicar o ar de deboche com que ele respondia às perguntas dos deputados nas CPIs. Essa não é a atitude de quem assume os crimes que cometeu nem muito menos de quem terá que pagar dezenas de milhões de reais de empréstimos.
Delúbio sempre esteve encenando uma farsa, já que nunca houve empréstimo nenhum, e confiava na impunidade. Agora, ao ser expulso do partido, chorou, negou que fosse o único responsável pelas falcatruas, mas prometeu não entregar ninguém. Trata-se, na verdade, de um jogo de cartas marcadas, em que ele tem como parceiros o presidente Lula e os integrantes do Campo Majoritário. Só que a sua punição faz parte do jogo, uma vez que assumiu toda a culpa sozinho.
E por que o fez? Antes de tudo, porque, sendo o tesoureiro do partido, não poderia se eximir dela; depois, se abrisse a boca, comprometeria a todos os outros dirigentes. Além do mais, assumindo-a, abreviaria o escândalo que ameaçava engolir o partido e o governo. Comportou-se como um "herói" e, por isso, muitos choraram no momento de sua expulsão. O PT fica devendo uma estátua a Delúbio.
Safar o partido: este é o ponto fundamental para o PT e para Lula, que são uma só e mesma coisa. Delúbio sacrificou-se por essa causa, e isso explica tudo o que tem ocorrido com respeito à crise do "mensalão": é imprescindível salvar Lula, porque, sem ele, não há o PT, e salvar o PT, porque, sem ele, não há Lula. De Lula a José Dirceu, de Delúbio a Genoino, de Tarso Genro a Berzoini, estão todos num mesmo barco, que ameaça afundar. O lema, portanto, é: um por todos e todos por um, ainda que alguns tenham que entregar o pescoço ao cutelo.
Durante toda a crise, a preocupação dos petistas envolvidos era preservar a imagem de Lula: para todos os efeitos, ele nunca soube de nada, nunca decidiu nada. Genoino também de nada sabia e José Dirceu tampouco. E nós todos nos perguntávamos: como pode, se milhões de reais foram transportados em maletas, em cuecas, em carros-fortes? E os empréstimos bancários concedidos sem qualquer garantia? É, mas ninguém tinha nada a ver com nada, só Delúbio...
Sim, porque, se soubessem, desabariam de uma vez o PT, o governo e a imagem do líder. Quando o escândalo atingiu Genoino, presidente do PT, Lula logo o substituiu por Tarso Genro. Este, com a bomba na mão, exagerou: prometeu refundar o partido, isolar José Dirceu e negar legenda aos deputados que renunciassem ao mandato. Lula pôs as mãos na cabeça. Tarso Genro enlouquecera: refundar o PT era o mesmo que devolvê-lo ao radicalismo de origem, acabar com o Campo Majoritário. E o cara ainda pretendia candidatar-se à presidência do partido...!
Lula, pragmático como sempre, arredou a candidatura dele e pôs a de Berzoini, que logo anunciou: não afastaria Dirceu nem refundaria coisa nenhuma. Claro, falar em refundar é admitir que todo o partido está comprometido com a lambança, quando o que interessa é mostrar que ele se manteve incontaminado. E logo surgiu na televisão: "PT - mudar para continuar a ser o melhor". Leia-se: não mudar para continuar o mesmo... Lula nunca pensou em refundar o PT, e sim em abafar o escândalo, fingir que queria a punição dos culpados, dando a entender que não há culpados, mas apenas vítimas de calúnias sem provas.
A Lula o que importa, acima de tudo, é preservar-se e preservar seu governo. Terá que salvar o PT, porque, sem ele, desabará e, para sorte sua, o PT terá que salvá-lo, porque, se não o fizer, afundará também. Assim temos um jogo em que, de fato, se tudo der certo, os dois ganham, ainda que seja essa uma vitória de Pirro. Se é verdade que nem Lula nem o PT sairão ilesos deste episódio, a esta altura do jogo qualquer tostão é lucro.
Quando ficou evidente que seria impossível evitar a cassação dos implicados no "mensalão", Lula chamou todos os petistas do Congresso e, depois de afirmar que os acusados não eram culpados, aconselhou-os a renunciar, pois o governo não iria defendê-los. Claro, não lhe interessa manter na mídia as notícias do "mensalão" nem muito menos envolver o seu governo na defesa dos corruptos.
Mas, vejam bem, preservar a Lula e ao PT implica inevitavelmente a reeleição de Lula. Se Lula não se candidatar, ele e o PT passarão ao segundo plano no quadro da política nacional. Portanto, a candidatura de Lula é fato consumado, a menos que ele e seu partido sofram um súbito ataque de humildade, o que é mais difícil de ocorrer do que galinha ciscar para a frente.
Admitindo que nossa tese esteja certa, resta saber qual será, na campanha eleitoral de 2006, o discurso do candidato Lula, apoiado num partido desgastado e dividido ao meio. Se defender a política econômica de Palocci, o PT se desintegra e ainda corre o risco de ter contra si muita gente que o apoiou em 2002; se se atrever a defender a ética na política, receberá em troca a gargalhada geral do eleitorado. Salvo melhor juízo.
Delúbio sempre esteve encenando uma farsa, já que nunca houve empréstimo nenhum, e confiava na impunidade. Agora, ao ser expulso do partido, chorou, negou que fosse o único responsável pelas falcatruas, mas prometeu não entregar ninguém. Trata-se, na verdade, de um jogo de cartas marcadas, em que ele tem como parceiros o presidente Lula e os integrantes do Campo Majoritário. Só que a sua punição faz parte do jogo, uma vez que assumiu toda a culpa sozinho.
E por que o fez? Antes de tudo, porque, sendo o tesoureiro do partido, não poderia se eximir dela; depois, se abrisse a boca, comprometeria a todos os outros dirigentes. Além do mais, assumindo-a, abreviaria o escândalo que ameaçava engolir o partido e o governo. Comportou-se como um "herói" e, por isso, muitos choraram no momento de sua expulsão. O PT fica devendo uma estátua a Delúbio.
Safar o partido: este é o ponto fundamental para o PT e para Lula, que são uma só e mesma coisa. Delúbio sacrificou-se por essa causa, e isso explica tudo o que tem ocorrido com respeito à crise do "mensalão": é imprescindível salvar Lula, porque, sem ele, não há o PT, e salvar o PT, porque, sem ele, não há Lula. De Lula a José Dirceu, de Delúbio a Genoino, de Tarso Genro a Berzoini, estão todos num mesmo barco, que ameaça afundar. O lema, portanto, é: um por todos e todos por um, ainda que alguns tenham que entregar o pescoço ao cutelo.
Durante toda a crise, a preocupação dos petistas envolvidos era preservar a imagem de Lula: para todos os efeitos, ele nunca soube de nada, nunca decidiu nada. Genoino também de nada sabia e José Dirceu tampouco. E nós todos nos perguntávamos: como pode, se milhões de reais foram transportados em maletas, em cuecas, em carros-fortes? E os empréstimos bancários concedidos sem qualquer garantia? É, mas ninguém tinha nada a ver com nada, só Delúbio...
Sim, porque, se soubessem, desabariam de uma vez o PT, o governo e a imagem do líder. Quando o escândalo atingiu Genoino, presidente do PT, Lula logo o substituiu por Tarso Genro. Este, com a bomba na mão, exagerou: prometeu refundar o partido, isolar José Dirceu e negar legenda aos deputados que renunciassem ao mandato. Lula pôs as mãos na cabeça. Tarso Genro enlouquecera: refundar o PT era o mesmo que devolvê-lo ao radicalismo de origem, acabar com o Campo Majoritário. E o cara ainda pretendia candidatar-se à presidência do partido...!
Lula, pragmático como sempre, arredou a candidatura dele e pôs a de Berzoini, que logo anunciou: não afastaria Dirceu nem refundaria coisa nenhuma. Claro, falar em refundar é admitir que todo o partido está comprometido com a lambança, quando o que interessa é mostrar que ele se manteve incontaminado. E logo surgiu na televisão: "PT - mudar para continuar a ser o melhor". Leia-se: não mudar para continuar o mesmo... Lula nunca pensou em refundar o PT, e sim em abafar o escândalo, fingir que queria a punição dos culpados, dando a entender que não há culpados, mas apenas vítimas de calúnias sem provas.
A Lula o que importa, acima de tudo, é preservar-se e preservar seu governo. Terá que salvar o PT, porque, sem ele, desabará e, para sorte sua, o PT terá que salvá-lo, porque, se não o fizer, afundará também. Assim temos um jogo em que, de fato, se tudo der certo, os dois ganham, ainda que seja essa uma vitória de Pirro. Se é verdade que nem Lula nem o PT sairão ilesos deste episódio, a esta altura do jogo qualquer tostão é lucro.
Quando ficou evidente que seria impossível evitar a cassação dos implicados no "mensalão", Lula chamou todos os petistas do Congresso e, depois de afirmar que os acusados não eram culpados, aconselhou-os a renunciar, pois o governo não iria defendê-los. Claro, não lhe interessa manter na mídia as notícias do "mensalão" nem muito menos envolver o seu governo na defesa dos corruptos.
Mas, vejam bem, preservar a Lula e ao PT implica inevitavelmente a reeleição de Lula. Se Lula não se candidatar, ele e o PT passarão ao segundo plano no quadro da política nacional. Portanto, a candidatura de Lula é fato consumado, a menos que ele e seu partido sofram um súbito ataque de humildade, o que é mais difícil de ocorrer do que galinha ciscar para a frente.
Admitindo que nossa tese esteja certa, resta saber qual será, na campanha eleitoral de 2006, o discurso do candidato Lula, apoiado num partido desgastado e dividido ao meio. Se defender a política econômica de Palocci, o PT se desintegra e ainda corre o risco de ter contra si muita gente que o apoiou em 2002; se se atrever a defender a ética na política, receberá em troca a gargalhada geral do eleitorado. Salvo melhor juízo.