O GLOBO
Merval Pereira
Políticosna berlinda
A crise que domina o cenário político brasileiro nos últimos meses tem provocado uma crescente degradação das instituições políticas na percepção do cidadão comum, e à medida que ela se acirra na polarização entre PT e PSDB, vai deixando na opinião pública uma sensação de desamparo que pode gerar fatos políticos novos incontroláveis, como se viu no recente referendo sobre a comercialização de armas de fogo.
O desprestígio dos políticos e dos formadores de opinião, como artistas e intelectuais, ficou claro na aprovação do "Não", quando a maioria esmagadora do eleitorado posicionou-se contra a proibição, que era apoiada por várias instâncias dos poderes públicos.
A tal ponto que se cogitou unir o presidente Lula e seu adversário político mais tradicional, o ex-presidente Fernando Henrique, para uma peça de propaganda do "Sim" que supostamente seria o golpe de misericórdia nos opositores da proibição. O que parecia o "politicamente correto" foi derrotado por um sentimento difuso da população, que misturou num só balaio posições políticas, preconceitos, receios e uma defesa acirrada dos "direitos individuais" que pareciam estar ameaçados.
Esse sentimento de falta de confiança nos poderes públicos não é demérito apenas nosso, e está registrado na pesquisa do Latinobarômetro, um instituto de pesquisa chileno, feita em 18 países e publicada anualmente pela revista inglesa "The Economist. A pesquisa, de maneira geral, mostra que a democracia vem se consolidando no continente, mas a duras penas. Ela mostra, por exemplo, que apenas metade dos cidadãos da América Latina é de democratas convictos, e apenas um em cada três cidadãos está satisfeito com os resultados práticos da democracia, sentimentos que são mais ou menos idênticos há três anos, mas piores do que há dez anos.
O apoio à democracia está menor na maioria dos países consultados, e no Brasil, o recente escândalo de corrupção parece ter apagado o brilho trazido pela eleição de Lula em 2002, diz a revista. Mas a democracia vem ganhando terreno no continente: 62% disseram que não apoiariam um golpe militar, e 70% apóiam a frase de Churchill de que a democracia é o melhor sistema, apesar de suas falhas.
Mas, segundo a pesquisa, os mecanismos democráticos não funcionam bem no continente: apenas 26% acham que em seus países todos são iguais perante a lei. Apenas 20% têm confiança nos partidos políticos e 25% acreditam no Congresso e nas Cortes. Os principais problemas na região continuam sendo o desemprego, crime e pobreza. Apenas 30% acreditam que seus países estão progredindo.
Lula ainda é o mais popular entre os presidentes latino-americanos, embora menos que 50% dos consultados tenham respondido a essa pergunta sobre ele. A pesquisa mostra também o crescimento do protestantismo no continente com o maior número de católicos. Em 1995, 80% dos consultados se diziam católicos, e hoje são 70%, enquanto os protestantes, que eram apenas 3%, passaram a ser 15%.
Esses números refletem as mesmas preocupações da população brasileira com que os políticos estão se defrontando em meio a uma guerra encarniçada entre as forças políticas hegemônicas, o PT e o PSDB. E um receio já domina as conversas de bastidores, nesses momentos que antecedem a decisão sobre quem vai enfrentar quem na campanha eleitoral de 2006: o perigo de essa retaliação toda abrir espaço para um aventureiro que se apresente como o presidente cassado Fernando Collor se apresentou com sucesso: contra os políticos.
Assim como Collor era de uma tradicional oligarquia política do Nordeste e conseguiu vender a imagem de um político moderno desligado das forças políticas tradicionais — com as quais negociava por baixo dos panos — um Garotinho ou um bispo desses metidos em política, podem surgir diante do eleitorado como uma alternativa. O fato é que a situação está ruim para os políticos, e com a fragilidade da sua imagem pública, eles vêm sendo atropelados em suas decisões, especialmente pelo Supremo Tribunal Federal.
Dois episódios recentes reforçam essa percepção: uma liminar de um juiz do Supremo devolveu o mandato ao senador João Capiberibe, do Amapá, desmoralizando o presidente do Senado Renan Calheiros, que, para cumprir uma decisão do mesmo Supremo de cassá-lo, havia arrostado uma manifestação quase unânime do Senado em favor de mais tempo para a defesa do senado. É verdade que há quem diga que todo o empenho de Renan em cumprir a decisão do STF nada mais era do que vontade de prestar um favor ao senador José Sarney, a quem Capiberibe acusa de estar por trás de sua destituição, para colocar no lugar o senador Gilvan Borges, seu correligionário.
O Supremo também anulou, por uma filigrana jurídica, a decisão da Comissão de Ética da Câmara que havia aprovado a cassação do mandato do deputado José Dirceu. Mesmo que no mérito as decisões sejam acertadas, a antiga disposição de não interferir nos trabalhos de um outro Poder, que era tradição no relacionamento entre os poderes, está sendo ultrapassada, provavelmente pela péssima imagem que os políticos de maneira geral estão diante da opinião pública, o que fragiliza sua atuação.
Se essa situação não é boa para a oposição, que já se colocava como uma alternativa inescapável na sucessão de Lula, bom para Lula também não é, a não ser que resolvesse ele mesmo encarnar a figura do político moderno, alheio às chicanas e mutretas que a opinião pública identifica como arma dos políticos tradicionais. Mas, depois do escândalo em que o PT e a base aliada do governo se envolveram, dificilmente Lula teria êxito nessa empreitada.
Buscando alternativas (continuação dia 30)
Os movimentos políticos recentes indicam que teremos uma das campanhas presidenciais mais radicalizadas dos últimos tempos. O governo já identificou o adversário imediato no PSDB, o que sinaliza para o PT uma guerra permanente contra o suspeito de sempre, que, por sua vez, volta a falar em impeachment do presidente Lula. Mas essa polarização entre os dois partidos hegemônicos há 15 anos na política brasileira pode corresponder a uma ótica política viciada, que já não reflete os anseios atuais da sociedade. É o que pensa, por exemplo, pelo menos parte do PMDB. E está também na estratégia do PFL, que aguarda o início do ano, analisando pesquisas eleitorais, para tomar uma decisão.
Embora o mais provável seja que o PFL adira à candidatura do PSDB, se as pesquisas confirmarem que essa polarização entre PT e PSDB está sendo rejeitada pelo eleitorado, pode se abrir caminho para a reaglutinação das forças políticas alternativas como o PFL e o PMDB, que voltaram a sondar um caminho novo para a disputa eleitoral, isoladamente, ou revivendo a união do PMDB com a Frente Liberal que elegeu Tancredo Neves, de onde nasceu o PFL.
O consenso é que a radicalização muito grande é pouco construtiva: querem saber quem roubou mais, ironiza um cacique peemedebista. Uma eventual candidatura deveria construir uma proposta alternativa à atual política econômica, com novos valores de uma nação que quer se desenvolver. Combater a desigualdade é fundamental, e essa política econômica não contemplaria uma saída, em uma avaliação feita por interlocutores dos dois partidos que tateiam uma aproximação mais profunda.
PT e PSDB foram os únicos a lançar candidatos próprios nas quatro últimas eleições presidenciais, e disputaram as últimas três entre eles, e por isso mesmo fixaram uma imagem nacional. O PT teve um processo de nacionalização próprio, fora do poder, que se consolidou em 2004, nas eleições municipais. E o PSDB, que chegou ao poder central com a força do Plano Real em 1994, se aproveitou dos oito anos de governo federal para se estruturar nacionalmente.
O fato de PFL e PMDB terem se recusado a disputar a eleição presidencial explica por que eles não têm uma imagem política nacional, embora dominem a política regional. O último candidato próprio do PFL foi Aureliano Chaves, em 1989. E o PMDB "cristianizou" primeiro Ulysses Guimarães, depois Orestes Quércia, e nenhum deles passou dos 10% dos votos.
Deixando que questões locais se sobrepusessem às nacionais, os dois partidos estavam demonstrando uma vocação política restrita, assumindo o papel de coadjuvantes. Por isso, mesmo que decidam mais uma vez não lançar candidatos próprios, PFL e PMDB terão bancadas expressivas no Congresso, por que são partidos montados em torno de máquinas locais, que foram reforçadas nas eleições municipais de 2004. O PMDB continua sendo o partido com maior número de prefeitos e vereadores. E o PFL manteve-se como a terceira força municipal, atrás apenas do PT e do PMDB.
A campanha que está se esboçando mais radicalizada lembra as campanhas petistas mais agressivas, não tem nada a ver com o estilo que fez Lula ganhar em 2002, nem com a imagem de um Presidente "estadista". Tudo remete ao PT que perdeu, e sem a mística que tinha, na análise da oposição. Por isso cresce no PSDB a idéia de que um candidato que passe a idéia de estabilidade e segurança, como o governador paulista Geraldo Alckmim, é a imagem mais adequada para os anseios atuais do eleitorado.
O programa do PT da quinta-feira deixou claro que a comparação é com os governos de Fernando Henrique, e o prefeito paulistano José Serra está muito próximo de Fernando Henrique, relembra ele, foi ministro duas vezes. Geraldo Alckmin não, é uma cara nova do PSDB, uma outra vertente política.
Todos esses movimentos políticos são observados pelo deputado federal Chico Alencar, ex-petista hoje no PSOL, com o mesmo ar de tristeza com que deu seu voto a favor da cassação de José Dirceu na Comissão de Ética: "O inimaginável aconteceu", diz ele: "No governo Lula, a direita se reaglutinou, os conservadores se repaginaram, as expressões mais antigas das oligarquias se reconstituíram, até com emblema de moralidade pública. E a esquerda vai se dispersando, imersa em suas contradições, impactada pela decepção, sem conseguir ainda fazer uma síntese da crise e ressignificar o socialismo".
Alencar diz que tem ido a debates nas universidades e está impressionado com o que chama de "fracionamento" da esquerda: existe até um Movimento Estudantil Popular Revolucionário que denuncia o "eleitoralismo" do PSTU, o "reformismo reacionário" do PSOL, o "caráter anti-operário de origem" do PT, o "peleguismo" do MST!!! Proposta da moçada: "destruir o estado burguês". Como? "Fazendo a revolução camponesa e operária". São, segundo Alencar, jovens cheios de certezas e convicções inabaláveis, que já se preparam para denunciar a farsa das eleições de 2006.
Como professor de História, Alencar avalia que esses "são fenômenos interessantes sociologicamente, mas muito preocupantes do ponto de vista da política, pois há um germe de autoritarismo nessas formulações peremptórias, que fecundam no ambiente da descrença geral com a institucionalidade". A mesma descrença que se espalha pela sociedade civil como um todo.
***
O ministro Ciro Gomes reafirma que os R$ 457 mil repassados pelo lobista Marcos Valério foram para o publicitário Einhart Jacome Paz, em pagamento pela campanha do segundo turno, em que ele apoiou Lula. Seu ex- secretario-executivo Marcio Lacerda foi apenas o contato.
Miriam Leitão
O ilusionismo
A verdade é sempre a primeira vítima do marketing eleitoral. Exemplo disso foi o programa do PT. Prometeu explicar a crise e culpou os outros. Exibiu números discutíveis; uma coleção de meias verdades. "Do que acusam o PT?", perguntou o locutor. A pergunta pode ser dirigida ao presidente Lula, que mandou o partido pedir desculpas e se disse traído. Outro erro: o presidente da Petrobras como garoto-propaganda.
Em vez de explicar a crise, o programa admitiu apenas que: "membros de nosso partido cometeram erros". Sinceridade não é um ingrediente das campanhas políticas no Brasil. É visto como ingenuidade, mas talvez seja isso que o eleitor esteja querendo agora. Não há como encobrir os absurdos descobertos, a distribuição de dinheiro a políticos da base, os indícios de que o caixa dois financiou até a campanha presidencial. É difícil mesmo tratar de tudo isso numa propaganda política, mas o que não se deve fazer é subestimar a inteligência do eleitor. Foi o caminho escolhido pelo PT.
Nos números, uma coleção de não ditos. Disseram que a inflação era de 12% e caiu no governo do PT para 7,5% e 5,2%. Na verdade, a inflação está voltando agora aos níveis de 2000. Subiu em 2002 pelo medo de Lula. Medo construído pelo passado em que Lula e o PT foram contra o Plano Real e apresentavam idéias exóticas ou falta de entendimento sobre a importância da estabilização.
O último ano do governo Itamar, em 94, teve inflação de 916%, e o primeiro de Fernando Henrique foi de 22%. Se FH usasse essa comparação seria um absurdo. Esses números não contam o que se passou. O Plano Real, feito sob o comando de Fernando Henrique no governo Itamar Franco, venceu a hiperinflação no segundo semestre de 94. No último ano do primeiro mandato, em 98, a taxa foi de 1,66%. No primeiro ano do novo mandato, em 99, pulou para 8,9%. O resultado de 99 foi uma vitória maior do que o de 98, porque foi conseguido apesar do estouro da banda cambial. Por várias vezes, falou-se no programa sobre "a crise deixada pelo governo passado". Sinceramente, o governo sabe que recebeu uma boa herança na área macroeconômica, tanto que manteve a política.
Disse que o país exportava US$ 60 bilhões e agora, US$ 112 bilhões. É verdade, mas não é governo que exporta. O setor exportador brasileiro é o grande merecedor do crédito. Certas mudanças macroeconômicas ajudaram, mas foram feitas por sucessivas administrações. Não dá para explicar a mudança na competitividade brasileira sem passar pela abertura, que o PT condenou; o Plano Real, no qual o PT votou contra; a privatização, que até nesse programa o partido acusou de ter sido "selvagem". Erros foram cometidos no processo de venda das estatais; a energia é exemplo eloqüente. Mas a venda em si acabou com absurdos como o Estado fabricar aço, atuar em mineração, fazer aviões, vender telefone, ser dono de hotéis e ter três dezenas de bancos. Não foi "selvagem", tanto que ainda existem cinco bancos estatais que controlam 40% da intermediação financeira; o Estado ainda tem 70% da geração de energia, quase todo o setor de petróleo e o monopólio do resseguro. A privatização aumentou a eficiência na economia brasileira.
No item desemprego, a confusão da comunicação do governo é ainda maior. Disse que o governo passado criou 700 mil empregos e o atual, 3,6 milhões. Nem especialistas em trabalho entendem esses números. Um exemplo de má-fé que poderia ser usado contra o governo Lula: a taxa oficial de desemprego no último ano do governo passado oscilou entre 6% e 7%. No governo Lula chegou a 13% e está em 9,6%. Isso parece mostrar que no governo Lula aumentou o desemprego. Não aumentou. A metodologia de cálculo é que mudou. Quem quer participar do debate com honestidade tem de ter respeito aos números.
Lula tem usado os dados do Caged do Ministério do Trabalho, e não a pesquisa do IBGE da PME. Os dois estão mostrando muita discrepância. O fato é que o desemprego não está caindo, na época do ano em que sempre cai. Está estagnado há quatro meses e subiu um pouco em setembro. A verdade é a seguinte: na década de 90 houve queda do emprego no mundo inteiro, por causa de novas tecnologias, mais competição, novas formas de produção. Emprego é um desafio de qualquer governo no mundo inteiro. Simplificar o tema, como se fosse uma partida de futebol, não ajuda o país.
No programa, o PT se vangloriou de ter aumentado o gasto com Saúde. Fez isso por obrigação legal: os gastos com Saúde têm de aumentar anualmente por uma fórmula preestabelecida. Elogiou-se na educação, quando o grande salto do "toda criança na escola" foi dado no período FH. Teve a coragem de dizer que a segurança melhorou, item em que os dois governos erraram. Apresentou a Bolsa Escola como se tivesse sido inventada apenas pelo PT e a campanha das diretas como se tivesse sido petista. Num momento de puro delírio, o programa sustenta que garantiu R$ 55 bilhões para o Fundeb até o ano 2019.
No pior momento do programa, pôs o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, fazendo propaganda de programas do governo. Um comportamento inadequado para uma empresa de capital aberto, que tem ações até em bolsas estrangeiras, cujo controle é do Estado e não do PT. Mais um flagrante da confusão entre governo e partido, que tanto problema tem causado. A campanha de 2006 já começou. Começou muito mal.
DORA KRAMER
OESP
Telhado de vidro
O PT parte de novo para a ofensiva, convencido de que incêndio bom se apaga é com fogo Do PT pode-se dizer, e se diz, tudo. Mas de falta de atrevimento seria uma injustiça acusar o partido. Dono de um monumental telhado de vidro, o PT outra vez parte para cima dos adversários como se não tivesse mais contas a prestar e estivesse de novo na plena posse de suas faculdades morais e políticas.
Não faz concessões à prudência, não exibe vocação à autocrítica, não manifesta apreço pela paciência, se protege a poder de recuos estratégicos. Prefere não medir conseqüências, a despeito dos inúmeros tropeços sofridos exatamente em função da crença de que incêndio se combate com fogo.
É evidente que não se pode exigir, em nome da eficácia do lema segundo o qual passarinho na muda não pia, que o PT fique eternamente acuado sem reagir a ataques da oposição.
Mas seria de se esperar que gente que faz da política seu ofício e profissão tivesse algum entendimento mais preciso a respeito de tempos, modos e circunstâncias.
Vejamos, só para exemplificar com um caso de somenos importância no cômputo geral da crise, se era hora de o presidente do PT e possivelmente o futuro coordenador na campanha do presidente Luiz Inácio da Silva à reeleição, avalizar a folia malfazeja de correligionários na exibição de cartazes com a montagem da figura do presidente do PFL, Jorge Bornhausen, em uniforme nazista.
Berzoini não só evitou condenar a falta de noção de limites dos sindicalistas autores da tola reação a uma exorbitância verbal - "com a crise, vamos ficar 30 anos livres dessa raça" - do senador Bornhausen, como achou a fotomontagem um retrato fiel do "conservadorismo" representado pelo PFL.
Ora, se conservador é sinônimo de nazista, ao PT cumpriria ao menos repudiar os seguidores de Adolf Hitler abrigados nos partidos ditos conservadores que apoiaram Lula na eleição e integraram sua chapa e sua base parlamentar.
Um deles, o senador Antonio Carlos Magalhães, criticado por Ricardo Berzoini na tentativa de firmar um contraponto moral entre PFL e PT, até outro dia, quando ainda integrava a ala governista do PFL, era muito bem recebido e amplamente reverenciado nas hostes petistas.
Segundo Berzoini, seu partido nunca teve em seus quadros "traficantes, assassinos ou pessoas que promovem esquemas de grampo ilegal".
Não foi essa posição que o PT adotou quando concordou, junto com o PSDB, o PMDB e mais alguns outros partidos no Senado, em amaciar a condenação política a ACM quando o senador foi apontado como o responsável por um esquema de grampos ilegais montado na Secretaria de Segurança Pública da Bahia.
Quanto a assassinatos - Berzoini referia-se aos cometidos pelo deputado cassado Hildebrando Paschoal -, conviria ao PT deixar para tocar no assunto depois de ficar bem esclarecido que o partido não tem nenhum interesse em proteger os acusados de terem ordenado o seqüestro e a morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel.
Estes e também os ataques relativos ao uso generalizado do caixa 2 são tão fáceis de serem rebatidos pela oposição que custa a crer que façam parte de um plano de reação pesado e medido por quem, além do desejo de recuperar terreno para ganhar a eleição, ainda tem a tarefa de sustentar um governo por mais um ano e dois meses.
Nessa condição, fica muito mais vulnerável que o adversário, cuja única preocupação nesse período é a de conquistar a simpatia do eleitorado. Não precisa administrar as adversidades de modo a não perder sustentação política nem densidade administrativa. Em resumo, quem precisa de paz para trabalhar é o governo, não a oposição.
Dessa forma, o acirramento proposto pelo PT - e obviamente de bom grado aceito pelo inimigo -, ainda mais numa situação de flancos abertos para todos os lados, não lhe favorece. Ao contrário, só amplia a área de desproteção.
Bumerangue
Com seus repetidos recursos ao Supremo Tribunal Federal, José Dirceu cumpre o roteiro por ele anunciado e tenta alimentar o mito do guerreiro sem quartel.
Na prática, porém, tem conseguido colecionar derrotas políticas que não ajudam a sustentar a versão do martírio ideológico. Como a Câmara tem cumprido todas as determinações do STF, o julgamento parlamentar vai ganhando amparo judicial.
João sem braço
Foi nenhuma a repercussão, dentro e fora do PT, da proposta feita semana passada pelos 12 senadores petistas de formalização de um compromisso de uso exclusivo de recursos legais e publicação diária na internet das despesas de campanha de todos os candidatos do partido.
Nem os autores da sugestão falaram mais no assunto. O restante das excelências de outros partidos também fingiu que não ouviu. Donde se conclui: a indignação geral com o uso de caixa 2 é propaganda enganosa.
Pinta e borda
A ex-mulher do ex-deputado Valdemar Costa Neto, Maria Cristina Mendes Caldeira, costumava pintar o sete nas acusações ao ex-marido; agora contenta-se em bordar.
FSP
CLÓVIS ROSSI
Chama o ladrão
SÃO PAULO - O ambiente político, que já era ruim, muito ruim, conseguiu ficar ainda pior.
Não é difícil identificar a causa, pelo menos a causa mais imediata: comandantes governistas e petistas voltaram ao velho hábito de patrulhamento do universo, como se fossem os únicos puros do planeta.
Antes, ainda podia pegar. Havia má consciência em boa parte dos outros partidos, que sabiam ser, no mínimo, co-responsáveis pela obscena situação da pátria.
Mas agora não pega mais. O PT é tão podre quanto qualquer um.
Sua indigente defesa ("não somos os únicos a praticar caixa dois") é confissão de culpa, mais que defesa.
Nesse ambiente apodrecido, faz todo o sentido a proposta indecente do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, de zerar tudo, em matéria de contabilidade de partidos, porque todos têm esqueletos escondidos no armário e alguns já os têm em praça pública. Indecência por indecência, legalize-se a esbórnia e todos poderão ser readmitidos no paraíso.
Apanhado, comprovadamente, em práticas de "bandidos", conforme a definição do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, companheiro de viagem do lulo-petismo, o PT reage, naturalmente, como "bandido" e exige que seus comparsas, circunstancialmente adversários, também sejam tratados como tais.
Estes, também naturalmente, cospem fogo porque o "patrulheiro" não só perdeu a virgindade como dedicou-se a uma verdadeira orgia de "recursos não-contabilizados", para usar o idioma do neobanditismo.
Enquanto isso, a pesquisa "Latinobarómetro" deste ano mostra que, em dez anos (1966/2005), caiu de 50% para apenas 37% a porcentagem de brasileiros que dizem que a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo.
Uma porcentagem até alta com tantos "bandidos" travestidos de democratas e de patrulheiros.
FERNANDO RODRIGUES
Uma CPI inútil
BRASÍLIA - A inutilidade das acareações e depoimentos mentirosos nas CPIs é resultado direto da inépcia de seus dirigentes. No caso da CPI do Mensalão, essa incapacidade operativa chega ao paroxismo e quase se confunde com um certo desejo de ser chapa-branca -sobretudo quando se trata de Amir Lando e Ibrahim Abi-Ackel, respectivamente presidente e relator dessa investigação.
Lando, como se sabe, protagonizou uma ação exótica ao final do governo FHC. Declarou que só assinava o pedido de uma CPI da corrupção quando faltasse apenas um nome. Não houve CPI nem investigação.
Abi-Ackel fará o relatório final da CPI do Mensalão, mas teve o nome de um filho seu citado como receptor de dinheiro de Marcos Valério. E não se fala mais nisso.
Poucos se dão conta, mas a CPI do Mensalão tinha 628 procedimentos relatados até quinta-feira passada, entre requerimentos de informação, depoimentos, acareações e outros. Um oceano de ações desconexas, coisas sem pé nem cabeça e dezenas de pedidos não-encaminhados.
A planilha com 628 itens tem vários exemplos de que essa investigação não é para valer. Li nessa lista que há dois congressistas me convocando para depor. Outro pede que seja ouvido Diogo Mainardi, de "Veja". Se me chamarem, vou. Nada tenho a dizer que já não tenha escrito. Mas os senadores e deputados ganharão um pouco mais de tempo para enrolar e nada concluir.
Um item em particular chama a atenção na planilha da CPI do Mensalão. É o de número 324. Aprovado em 17 de agosto, determinava a criação de uma força-tarefa com um "consultor de orçamentos e fiscalização do Congresso, dois auditores da Receita Federal, um perito contador da Polícia Federal e um perito contador do Ministério Público Federal".
Essa força-tarefa "nunca foi criada", constata o autor da idéia, deputado Paulo Baltazar (PSB-RJ). Amir Lando e Abi-Ackel estão mais ocupados com as acareações inúteis.
Uma democracia de maiorias voláteis
DENIS LERRER ROSENFIELD
A questão da democracia direta ou participativa é, muitas vezes, abordada de uma forma equívoca, como se ela fosse um mecanismo que poderia ser utilizado numa tal freqüência que terminaria por substituir a própria democracia representativa. Contudo, na medida em que a democracia representativa já concede um lugar ao referendo, este já fica inscrito como uma forma possível de ampliação da participação dos cidadãos sobre temas específicos que dizem respeito aos seus direitos. Penso ser uma colocação mal formulada opor o referendo, enquanto forma da democracia direta, à democracia representativa, pois a própria representação política pode contemplar outras formas de participação. O Brasil teve neste ano o referendo sobre o comércio de armas de fogo e de munição, nada impedindo um outro referendo sobre, por exemplo, o direito ao aborto.
Para que o referendo não seja compreendido como uma forma substitutiva da democracia representativa, basta contemplar uma periodicidade regular, não-obrigatória, quando, a cada dois ou quatro anos, os cidadãos seriam chamados a decidir, concomitantemente com as eleições, sobre temas específicos. Uma tal coincidência de datas traria dois benefícios: 1) primeiro, o de fazer coincidir um processo ritual da democracia representativa, relativo às eleições, com uma forma mais direta de participação; 2) segundo, o de fazer com que os custos não sejam exorbitantes. No caso deste último referendo, o custo da consulta foi superior ao que o governo federal alocou efetivamente à segurança pública.
Vários países do mundo, como a França e a Suíça, fazem uso do referendo sem que haja uma alteração substancial das formas de representação política existentes naqueles países. No Brasil, porém, o referendo tem sido identificado à democracia participativa e, esta, ao orçamento participativo. Ora, esta "identificação" não é fruto do acaso, mas resulta do propósito deliberado de confundir a opinião pública, pois a democracia dita participativa, introduzida por administrações petistas em Estados e municípios, é uma mera forma de controle partidário do pequeno número de pessoas que acorre a essas reuniões. A sua finalidade consiste no controle político desses indivíduos e visa minar as bases da democracia representativa. O referendo, por sua vez, é uma forma republicana de aperfeiçoamento da democracia representativa.
Pensemos em um caso limite, o de uma sociedade digital, onde os indivíduos poderiam votar em suas casas propostas que lhes seriam submetidas pelos governantes. Os problemas residiriam em que: a) a decisão caberia a indivíduos isolados que não interagiriam com os demais, como era o caso da democracia ateniense. Um indivíduo atomizado, confrontado com seu computador, decidiria a partir daquilo que lhe foi colocado ou imposto, sem que houvesse uma troca de opiniões. O indivíduo, numa tal posição, seria manipulável por aqueles formadores de opinião que elaborariam as questões a serem decididas e as suas condições; b) os indivíduos poderiam ser, assim, manipuláveis por processos de resposta imediata a impulsos midiáticos, que suprimiriam o tempo necessário à formação do pensamento e à elaboração do juízo. Ademais, com o predomínio da imagem, a realidade vista se sobrepujaria às realidades não vistas, que constituem o terreno próprio da política. Por exemplo, ninguém "vê" a liberdade, embora ela seja um princípio que norteia a ação ou deveria norteá-la; c) a participação individual seria, num grande país, diluída, de tal maneira que os ganhos da relação dita direta seriam contrabalançados por uma menor participação, pois a atomização seria levada ao seu extremo. O conjunto dos cidadãos seria um conjunto de indivíduos ainda mais isolados uns dos outros, que perderiam o trabalho da mediação política realizado pelo governo representativo. Não esqueçamos que eleições são o produto de um longo processo de formação da opinião pública que passa por partidos políticos, por instâncias representativas, como o Parlamento e o Judiciário, e pelos meios de comunicação; d) os direitos das minorias terminariam por não ser reconhecidos, pois não se constituiria um espaço público, representativo, onde esses direitos se poderiam afirmar. Maioria e minoria seriam apenas nomes que qualificariam "vitoriosos" e "derrotados" virtuais num processo extremamente volátil e instável. Perder-se-ia precisamente a forma de constituição dos "direitos" das minorias, pois essas seriam reduzidas a percentuais numéricos. Instituições que assegurariam os antigos direitos das minorias poderiam ser facilmente alteráveis. Pode-se dizer que uma democracia de referendo seria uma democracia de maiorias voláteis, suscetível de ser controlada diretamente por pequenos grupos que controlariam os meios de comunicação, o que poderia levar, a longo prazo, à supressão dos direitos das minorias.
Por um Brasil simples
GESNER OLIVEIRA
O impostômetro da Associação Comercial de São Paulo registrava arrecadação de R$ 600 bilhões quando o Congresso aprovou a "MP do Bem", na última quinta-feira. Diante de tamanho apetite arrecadador do Estado brasileiro, a decisão do Legislativo de reduzir alguns impostos merece ser celebrada. Mas com moderação, pois doses adicionais de bondade podem acabar piorando ainda mais a bagunça da estrutura tributária brasileira.
Há de tudo na MP 255, conhecida como a "MP do Bem". O projeto saiu do Executivo com 74 artigos, ganhou mais 64 artigos ao passar pelo Senado e acabou com 134 depois da aprovação pela Câmara. É provável que uma boa parcela dos congressistas não saiba exatamente tudo o que está contido nela. Os departamentos de contabilidade das empresas ainda estavam digerindo as medidas ontem à tarde. Estima-se que o tamanho da conta em termos de renúncia fiscal seja de R$ 1,4 bilhão em 2005 e R$ 6,8 bilhões em 2006.
Há alterações justificáveis. É o caso da desoneração de PIS e Cofins na compra de máquinas e equipamentos para empresas que destinem pelo menos 80% de sua produção para a exportação. Ou dos estímulos à pesquisa e inovação tecnológica e à exportação de serviços de tecnologia.
Chama a atenção a elevação dos patamares para inclusão de empresas no programa Simples. As faixas passaram de R$ 60 mil para R$ 120 mil anuais para a categoria de microempresas e de R$ 1,2 milhão para R$ 2,4 milhões para as chamadas empresas de pequeno porte. Lembre que as empresas beneficiárias desse programa pagam uma única alíquota de imposto federal em substituição ao PIS/Cofins, ao Imposto de Renda e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, embutindo também a contribuição da empresa à Previdência.
A MP do Bem quase deu carona à geração de mais distorções na política de incentivos regionais. Cogitou-se isentar de IPI as áreas de livre comércio da Amazônia ocidental. Isso aumentaria ainda mais a discriminação e o incentivo à sonegação com os regimes especiais de tributação em algumas áreas do país, como a Zona Franca.
A parafernália de taxas e impostos no Brasil induz a pressões setoriais por algum alívio na tributação. Como a desoneração da "MP do Bem" é pequena ante uma carga tributária de 37% desigualmente distribuída, haverá pleitos para novas MPs. Novas "MPs do Bem" apenas complicariam ainda mais o cipoal tributário do país.
Em vez de novas "MPs do Bem", seria necessária uma reforma geral da estrutura tributária brasileira. Tal mudança deveria atender a três diretrizes. Em primeiro lugar, deveria haver menor número de impostos, algo não superior a sete, simplificando a contabilidade das empresas e a vida das pessoas.
Em segundo lugar, as alíquotas deveriam ser menores e mais uniformes. Isso reduziria o grau de discriminação a favor desta ou daquela atividade e diminuiria o incentivo à sonegação.
Em terceiro lugar, a transição para um sistema mais racional teria de ser gradual. É tarefa para vários mandatos presidenciais. Mas o país pode ter um projeto de médio prazo para sua estrutura tributária, assim como metas de aproximação em direção a esse sistema ideal, digamos para os próximos 15 anos.
Além disso, a negociação entre as diferentes categorias de contribuintes e esferas governamentais é um pouco menos árdua quando se trata de discutir a repartição da receita no médio prazo. É preciso igualmente tempo para racionalizar e diminuir os gastos do governo e especialmente do sistema previdenciário para tornar possível uma diminuição da carga tributária para algo não superior a 30%.
O impostômetro da Associação Comercial de São Paulo fica na rua Boa Vista, à altura do nº 51, na capital. A julgar pelo números do painel, também disponíveis no site www.impostometro.org.br, o Estado brasileiro arrecada quase R$ 80 milhões por hora. Para mudar essa realidade, será preciso tornar o Brasil inteiro mais próximo do sistema que hoje é conhecido como Simples, mas que está restrito a pequenas empresas. Isso exige um projeto sério de reforma tributária de longo prazo. A tarefa não é fácil, mas sua implementação representaria vetor de crescimento bem mais poderoso do que um sem-número de "MPs do Bem".
Gesner Oliveira, 49, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
1