Dora Kramer - Sob o signo do pensar mais fácil |
O Estado de S. Paulo |
20/10/2005 |
Referendo das armas e o plebiscito de 1993 são semelhantes na ligeireza do debate O referendo de domingo próximo sobre o comércio de armas e o plebiscito para escolher o sistema de governo, em 1993, guardam pontos de semelhança, sendo o principal deles o desvio do debate do fato em questão. Há 12 anos, venceu o presidencialismo sem que se destrinchassem as vantagens objetivas da substituição do sistema de governo presidencialista pelo parlamentarismo. Agora, confirmadas ou desmentidas as pesquisas indicativas da vitória do "não", teremos passado por um processo de consulta popular a respeito de um tema que aparece no alto da lista das preocupações da população urbana e vem atestando a incompetência de sucessivos governos no trato da segurança pública, sem que fiquem explicitados quais serão mesmo os efeitos da proibição ou da manutenção do comércio de armas sobre a violência. Tirando as pessoas que já tinham convicções e intimidade anteriores com o tema - estas realmente contribuem com a apresentação de argumentos consistentes -, a grande maioria votará de forma algo impressionista. Quem optar pelo "sim" o fará na boa intenção de contribuir para a redução da violência e principalmente para o desarmamento de espíritos. Quem ficar com o "não" estará aderindo à tese da defesa do direito à legítima defesa e ao raciocínio de que o referendo não passa de manobra diversionista do governo para fazer de conta que cuida da segurança e faturar publicidade positiva. Muito provavelmente, seja qual for o resultado, o referendo passará e nada de substancial mudará. Aí, talvez, na ausência de justificativas bem fundamentadas a respeito dos ganhos produzidos pela proibição naquilo que interessa diretamente ao cidadão, resida o sucesso do "não". Diante do desconhecido, preserva-se a situação conhecida. Ocorreu assim com o embate entre parlamentarismo e presidencialismo posto em plebiscito por imposição da Constituinte de 1988. Lá, como cá, havia uma crise - ou melhor, duas - em curso na política. Encerrava-se o processo de impeachment de Fernando Collor e iniciava-se o escândalo do orçamento, que resultou na cassação de oito deputados e um senador. O plebiscito, como agora com o referendo em relação às investigações das CPIs e os processos de cassações, transcorreu como coadjuvante de acontecimentos que tomavam a cena principal. Não só por isso, mas primordialmente por causa disso, o debate ficou restrito a simplificações, tal como agora, de caráter publicitário para atender aos interesses dos diretamente envolvidos. Naquele caso, os partidos. Prevaleceu na consulta sobre sistema de governo, e prevalece atualmente, o "pensar mais fácil". Aqui, o cerne da brutalidade, seja ela pública ou privada, não foi tocado. Lá, os defeitos do sistema tampouco foram questionados. Tanto no plebiscito como agora, no referendo, foi eleito uma espécie de inimigo oculto que capitalizou opiniões contra e a favor com motivações que passaram ao largo do conteúdo do assunto sob consulta. Em 1993, o símbolo do mal foi o Congresso. A campanha vitoriosa do presidencialismo trabalhou bem a crise no Legislativo e o desprestígio do Congresso para argumentar que, com o parlamentarismo, os "políticos mandariam no País". Agora, o adversário subjacente é o governo federal. Não obstante a proibição do comércio de armas não ser uma proposta originada no Poder Executivo, o governo Lula apóia fortemente e, com isso, a campanha do "não" tira partido do clima político de insatisfação com o PT. Os defensores do "sim" já notaram e, no horário gratuito, quando são apresentados depoimentos de parlamentares de oposição esta condição é ressaltada como credencial para atestar a justeza de sua posição. Convenhamos, é pouco, como são insuficientes as explicações até agora apresentadas para a maioria de confusos que, diante de embate tão superficial, se pudessem votariam no "depende". Opção, aliás, pertinente ao início de uma discussão mais verdadeira. Modus operandi No depoimento do tesoureiro da campanha do senador Eduardo Azeredo ao governo de Minas Gerais em 1998, Cláudio Mourão, o PSDB optou por não brigar com a evidência de que houve caixa 2 e que a prática é condenável. Saiu da linha inicial de considerar a acusação um crime de lesa-pátria e lidar com isso como instrumento de vingança contra o PT e justificativa para convocar familiares do presidente da República a depor. Os tucanos, até certo ponto confortáveis por terem conseguido evitar a inclusão de Azeredo na lista de cassações, apelaram para o estilo "low profile". Não se saíram mal no aspecto formal. Mas, na substância, tanto o PT quanto o PSDB enrolaram-se nas próprias incongruências. O tucanato fica obrigado a estender a complacência conferida a seu correligionário às operações de caixa 2 (mas só a essas) do adversário. Já o PT, ou bem adota o critério de austeridade aplicado ontem ao questionamento de Cláudio Mourão ou segue considerando que finanças paralelas são pecadilhos do sistema e inclui Azeredo no rol dos perdoados. |
Entrevista:O Estado inteligente
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