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O aparecimento de foco de febre aftosa em Mato Grosso do Sul constitui mais um erro grave de política pública. Atribuir a culpa aos produtores, como fez o presidente Lula nesta semana, ofende não apenas a classe produtora mas o bom senso. Em vez de encontrar bodes expiatórios, é preciso atacar o problema e derivar as lições corretas para evitar novas crises.
O custo do episódio ainda está em aberto. Estima-se que a perda de receita de exportação possa chegar a US$ 1 bilhão em prazo de 12 meses. Mas tal número depende naturalmente da abrangência e da duração do embargo dos parceiros comerciais do Brasil.
O impacto sobre a inflação é ambíguo. O aparecimento da febre aftosa representa um choque simultâneo de demanda e oferta. A demanda externa se contraiu subitamente com o embargo, mas o mesmo ocorreu com a oferta, em virtude do fechamento da fronteira das regiões afetadas. O efeito líquido sobre o preço da carne dependerá da intensidade de cada um desses choques.
Há pelo menos cinco lições principais a serem retidas. Em primeiro lugar, não se faz economia de palito. A cada contingenciamento linear dos recursos do Orçamento, várias despesas essenciais deixam de ser feitas, e os efeitos nefastos são inevitáveis. O resultado do corte efetuado nos gastos de defesa sanitária se tornou visível nesse caso com o surto de febre aftosa e o conseqüente embargo internacional. Mas quantos outros problemas estão sendo gestados na atualidade? Quantos produtos deixam de entrar no mercado pela lentidão da burocracia? Ou pela morosidade do sistema de registro de marcas e patentes? Embora difíceis de serem mensurados, tudo indica que tais custos não são pequenos.
Em segundo lugar, não é suficiente cobrar a vacinação do gado de cada produtor individual. Isso se deve a um fato simples: o que está em jogo não é apenas o patrimônio daquele produtor mas um valor muito maior e intangível da imagem do produto nos mercados nacional e internacional. A vacinação constitui exemplo típico no qual ocorre uma externalidade positiva. Esse jargão é utilizado para descrever uma situação na qual o benefício social de uma atividade (vacinação) é maior do que o privado, justificando estímulo por parte do setor público mediante subsídio.
Em terceiro lugar, o problema não se restringe à vacinação adequada. É preciso fiscalização e rastreabilidade. Cada animal precisa ter CIC e RG. É preciso igualmente promover mais esforços no sentido de cumprir o cronograma de implementação do sistema brasileiro de identificação e certificação de origem bovina e bubalina (Sisbov).
Em quarto lugar, não adianta fazer todo esse esforço sem o consumidor ficar sabendo. É preciso chamar a atenção para as vantagens da carne brasileira e isso significa gasto com promoção comercial. Não basta, neste momento, tranqüilizar os clientes principais acerca da gravidade da situação. É preciso transmitir que o principal interessado em garantir a qualidade do produto e em evitar novos surtos é o próprio Brasil.
Em quinto lugar, a implementação do conjunto de políticas para uma cadeia produtiva como a carne requer perfeita coordenação entre os governos estaduais e federal. A natureza de atividade de fiscalização e regulamentação da defesa animal requer a constituição de agências estaduais e federal devidamente capacitadas. A situação brasileira está longe da ideal.
Muitas vezes se imagina que a agregação de valor na pauta de exportação se dá apenas pela venda de produtos mais sofisticados tecnologicamente. Embora tais itens possam de fato agregar valor, a exportação de commodities como a carne exige crescente investimento em serviços e diferenciação do produto. Se bem-sucedidas, tais ações podem diferenciar o produto nacional e conferir prêmio em termos de preço. Infelizmente, contudo, o imediatismo da política governamental está apontando no sentido oposto. A crise da febre aftosa poderia ao menos servir para uma mudança efetiva de rumo.
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