Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, outubro 16, 2005
A vitória da empulhação e do PT MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Passado o período das confissões e dos constrangimentos, o governo Lula e o PT adquirem uma arrogância que não seria exagero comparar à de Maluf nos seus bons tempos: nada foi provado, somos os perseguidos, vocês nos devem desculpas, a imprensa nos ataca e este governo faz mais pelo país do que todos os nossos adversários juntos.
As declarações do novo presidente do PT, Ricardo Berzoini, em entrevista à Folha nesta sexta-feira, eram de uma confiança estarrecedora. Caixa dois todo mundo faz. À pergunta do repórter, se o PT então deixava de ser um partido diferente dos outros, Berzoini mal respondeu.
Pior que isso.
Da parte de um partido antes comprometido com a moralidade pública (e hoje crítico do "denuncismo"), não se nota nenhuma vontade de mudar as regras de financiamento das campanhas, de superar o predomínio alienante dos marqueteiros, de rever as alianças espúrias do ponto de vista ideológico, como as que associaram o PT ao PTB, ao PL e ao PP. Fora a promessa de expulsar Delúbio Soares, nada se pensa para corrigir os erros cometidos até aqui. Erros? Quem errou? Negar legenda aos deputados que renunciarem ao mandato? Como assim?
Que, depois de tudo isso, o atual presidente do partido, Tarso Genro, celebre a eleição de Berzoini como "a primeira etapa no processo de refundação do PT", consta como humorismo sinistro, no estilo da "novilíngua" orwelliana. Mas por que os petistas não deveriam estar arrogantes?
Sociedade civil e partidos
Venceram as eleições na Câmara, vêem as CPIs emaranhadas em investigações inconclusivas, contam com o cansaço do noticiário e com a popularidade de Lula nos grotões. Contam ainda com outro fator. Desde o final dos anos 70, acostumamo-nos a acreditar no poder da "sociedade civil". Diz-se, com bons motivos, que as mobilizações da sociedade civil derrubaram a ditadura e promoveram o impeachment de Collor. Mas a crise atual mostra a insuficiência dessa interpretação.
A sociedade civil só se mobilizou quando tinha a seu lado algum interesse político-partidário bastante claro. Algum partido, fosse ele o PT, o PMDB ou o PSDB, sempre tinha a ganhar com as indignações da classe média.
Embora PFL e PSDB façam o possível para tirar vantagem dos escândalos do "mensalão", o fato é que nenhum partido -exceto o minoritário PSOL- pode levar adiante um movimento de massas contra a corrupção. Todos estão envolvidos -como bem diz o líder Berzoini- com alguma irregularidade; punições em profundidade e moralizações não interessam a ninguém...
Sem partidos por perto, e especialmente sem o PT velho de guerra, a sociedade civil se torna órfã, entregue a uma espécie de revolta desmobilizada, que lembra os anos anteriores ao processo de redemocratização.
Talvez, na prática, ninguém se oponha de fato à atual situação. Basta ver como as pessoas reagem ao referendo sobre a comercialização de armas. Ligamos a TV, e lá estão os mesmos programas cheios de boa vontade, os mesmos locutores de olhar sincero, os mesmos apelos ao Brasil, à paz, e sobretudo, "a você, cidadão": toda a linguagem marqueteira, a xaropada de artistas cheios de esperança e de suposta "gente do povo" cheia de histórias para contar, todo o mesmo sistema comunicacional baseado em caríssima patacoada publicitária, está de volta.
E não há quem reclame: de boa fé, discutimos os argumentos de um lado e de outro, torcemos por determinado resultado eleitoral, e não perguntamos quem financia mais esse espetáculo.
Não importa qual a posição seja a mais correta no caso do referendo: só de ver aquela falação, as musiquinhas, os apresentadores, as mãos acenando, a vontade de ser empulhado renasce. O PT pode comemorar sua vitória.
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