Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 15, 2005

VEJA Lya Luft Eu vou ser contra


"Podem me crucificar, podem reclamar, mas,
se alguns direitos já andam restringidos,
nesse resto de democracia imagino que
a gente possa
ao menos tentar se defender,
quando o Estado não nos protege, e votar
do jeito que parecer mais sensato"

A pergunta que seremos obrigados a responder nos próximos dias vem – como tantas coisas mais – muito malfeita. Presta-se a enganos também porque vem combinada com campanhas de entregar armas, trocar armas por brinquedos, por dinheiro, por sabe-se lá que mais.

Mas o plebiscito sobre armas não quer, na verdade, saber se somos contra alguém ter arma em casa: quer que a gente diga se aprova ou não a proibição do comércio de armas.

Uma leitura benevolente indicaria apenas desinformação no ato e na forma de realizar o plebiscito. Uma leitura mais cuidadosa nos faz lembrar regimes ditatoriais – do nazismo ao comunismo – que tiraram o direito do cidadão de se defender enquanto armavam polícias políticas e brigadas populares.

A grande perturbação do senso moral destes tempos, resultante da contínua afronta a valores mínimos capazes de garantir a estabilidade social, pode ser um indício de tempos negros – à direita, ou à esquerda.

Obviamente sei que andar armado e reagir a um assalto é quase sempre decretar a própria morte, neste país onde a violência impera, a droga predomina e o mau exemplo que vem de cima é assustador, como no caso dos deputados que a toda hora trocam sopapos no plenário, tornando a violência algo quase oficial.

Ilustração Atomica Studio


Em lugar de apoiar esse confuso plebiscito, sou a favor do que não se faz: desarmar os bandidos; liquidar o narcotráfico ou reduzir seu poder; proibir a propaganda de bebida alcoólica, causadora de boa parte das mortes por arma de fogo e dos acidentes de trânsito fatais, e regulamentar severamente sua venda.

Também é preciso uma real vontade de acabar com a indecente corrupção por aqui, um terrível desestímulo para o cidadão comum, sobretudo jovem; resolver o descaso com policiais mal pagos e mal preparados, além de mal armados para a sua dura tarefa, na qual arriscam e muitas vezes perdem a vida. E não digam que não há dinheiro, pois sabemos que o problema é o seu mau uso.

Alardeia-se o desenvolvimento do Brasil; porém, até setembro, se aplicou na saúde pouco mais de 5% do orçamento do ano destinado à área: vejo todo dia jovens médicos desempregados e multidões de doentes desassistidos. Na educação, aplicou-se cerca de 15% do previsto: escolas são fechadas, outras deveriam fechar por não oferecer condições de higiene e segurança mínimas, por falta de professores ou de material; as universidades estão decadentes, mas ainda, demagogicamente, se multiplicam pelo país, sem nenhuma infra-estrutura, às vezes até sem instalações básicas ou professores.

A falta de horizontes para jovens profissionais é trágica, levando nossos filhos ao desalento ou a tentar a vida no exterior. Muitos têm sua adolescência prolongada, não por preguiça ou inépcia, mas porque não conseguem se afirmar no mercado de trabalho, mesmo com talento, preparo e títulos. Não é por nada que alguns começam a pensar: é realmente importante ter diploma, competência e honradez?

Fala-se em deflação, mas no meu bolso sobem as contas de luz, de telefone, de tudo o mais, sem falar no seguro-saúde, que tem de ser privado, pois o público assassina doentes nas filas de espera.

Não quero que a gente propicie aos malfeitores mais essa facilidade: saber que, estimulados pelo poder público, pais de família, agricultores, fazendeiros, estudantes, comerciantes, taxistas, todos os que estão desprotegidos em suas casas ou precisam circular por nossas ruas e estradas perigosas, foram oficialmente desarmados.

Podem me crucificar, podem reclamar, mas, se alguns direitos – saúde e educação, segurança e moradia, esclarecimento sobre gastos públicos e ética nas administrações – já andam restringidos, nesse resto de democracia imagino que a gente possa ao menos tentar se defender, quando o Estado não nos protege, e votar do jeito que parecer mais sensato.

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