Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 01, 2005

Juiz do caso Santo André acusa Gilberto Carvalho

VEJA

Acusação que vem do cárcere

Juiz preso diz que o secretário
particular de Lula é a chave para
elucidar a morte de Celso Daniel


Policarpo Junior

Fotos Epitácio Pessoa/AE
O ACUSADOR
O juiz Rocha Mattos, que ouviu as fitas do caso Santo André: Carvalho pediu até que a viúva mostrasse emoção ao dar entrevistas sobre o assassinato


O juiz João Carlos da Rocha Mattos, 57 anos, está preso há um ano e onze meses, sob a acusação de vender sentenças judiciais. Depois de passar por quatro cárceres diferentes, ele agora divide um dormitório com um preso no quartel da Polícia Militar, no centro de São Paulo. Na semana passada, na sala de reunião do prédio, Rocha Mattos recebeu VEJA para falar sobre o assassinato de Celso Daniel, o prefeito petista de Santo André morto com sete tiros em janeiro de 2002. Em quase duas horas de entrevista, pela primeira vez Rocha Mattos contou o que ouviu nas 42 fitas cassete que, gravadas entre janeiro e março de 2002, continham registros de diálogos telefônicos trocados entre os personagens do caso. E fez uma revelação pesada. Diz que, na massa de diálogos registrados, os trechos mais comprometedores eram protagonizados por uma única pessoa: Gilberto Carvalho, atual secretário particular do presidente Lula. "Ele comandava todas as conversas, dava orientações de como as pessoas deviam proceder. E mostrava preocupação com as buscas da polícia no apartamento de Celso Daniel", conta o juiz. É a mais frontal acusação já feita contra Gilberto Carvalho no crime de Santo André.

 

O CORPO
Polícia encontra o corpo de Celso Daniel, em janeiro de 2002: crime político?

No início do ano passado, o jornal Folha de S.Paulo divulgou transcrições das conversas registradas nas fitas e, mais tarde, teve acesso a trechos de áudio de vários diálogos, mas descobriu divergências entre transcrições e áudios. Tanto nas transcrições quanto nos áudios, a presença de Gilberto Carvalho era freqüente mas não comprometedora. Agora, Rocha Mattos diz que as 42 fitas continham passagens bem mais graves do que aquilo que veio a público até agora e que Carvalho chegava ao ponto de dar dicas de comportamento a personagens do caso. Há telefonemas em que ele pede à então namorada de Celso Daniel, a socióloga Ivone de Santana, que concedesse entrevistas à imprensa e não esquecesse de se mostrar emocionada com a morte do prefeito – o que de fato aconteceu. As conversas gravadas, diz o juiz, traziam até recados enigmáticos de moradores de uma favela de Santo André, hoje suspeitos de terem sido contratados para matar o ex-prefeito. "Os recados eram deixados na caixa postal do telefone de Gilberto Carvalho", afirma o juiz. "Ele comandava praticamente tudo."

Veja – O que quer dizer comandar "tudo"?
Rocha Mattos – Comandava as conversas, as orientações de como proceder, de como deveriam se comportar o "Sombra" (apelido do empresário Sérgio Gomes da Silva, acusado de ser o mandante do assassinato), a namorada de Celso Daniel, a preocupação com as buscas, o cuidado para que não resvalasse nada no PT. Nas gravações, existem até encontros marcados em apart-hotéis para entrega de numerário (dinheiro).

Veja – Conversas entre quem?
Rocha Mattos – Entre Klinger (refere-se a Klinger Luiz Oliveira, ex-secretário de Serviços Municipais de Santo André e apontado como braço-direito no esquema de corrupção na prefeitura de Santo André) e Gilberto Carvalho com pessoas não identificadas.

Celso Junior/AE

O ACUSADO
Carvalho, secretário de Lula: ele diz que ouviu falar que houve falsificação de fitas com sua voz

Não é a primeira vez que Gilberto Carvalho aparece envolvido no caso de Santo André. Francisco Daniel, irmão do prefeito assassinado, já disse em mais de uma ocasião que ouviu o próprio Gilberto Carvalho admitir que havia um esquema de corrupção na prefeitura de Santo André – esquema que teria sido a causa da morte do prefeito. Gilberto Carvalho sempre negou que tenha feito tal confissão. Agora, com as declarações de Rocha Mattos, a situação de Gilberto Carvalho se complica. O juiz garante que, ao escutar as fitas, constatou que o secretário particular de Lula conhecia o esquema de corrupção em funcionamento na prefeitura de Santo André e articulou a estratégia para difundir a tese de que o assassinato fora um crime comum – e não crime político, motivado por divergências a respeito do uso do dinheiro da corrupção. Rocha Mattos diz que não denunciou antes o que sabe porque só agora o país descobriu que a cúpula do PT era o ninho de uma quadrilha. "Imagina eu dizendo tudo isso há um ano... Quem ia acreditar?", declara ele.

 

Luiz Carlos Marauskas/Folha Imagem

NA MESMA TECLA
Francisco Daniel, irmão da vítima: ele insiste em dizer que Carvalho sabia da corrupção

Como quase tudo na investigação da morte de Celso Daniel, há versões e contraversões, palavras contra palavras. Rocha Mattos não oferece provas do que diz, mas é certo que teve acesso efetivo às 42 fitas. Na condição de juiz, ele recebeu a incumbência de esclarecer se elas tinham sido clandestinamente gravadas por agentes da Polícia Federal, conforme denunciara o Ministério Público Federal. Rocha Mattos concluiu que as fitas eram ilegais, pois a PF inventou uma investigação fajuta para conseguir fazer as gravações, e mandou que fossem destruídas – a incineração ocorreu em março de 2003, quando Lula já era presidente e Carvalho, seu secretário particular. Mais tarde, depois da destruição das fitas originais, apareceu um conjunto de cópias nas mãos de uma juíza, que o enviou a Rocha Mattos. O juiz então guardou as cópias, mas diz que, depois de ser preso pela Polícia Federal, elas desapareceram. Estavam na casa de sua ex-mulher, Norma, que também foi presa.

 

Beto Barata/AE

O ESQUECIMENTO
Baltazar, que fez a segurança de Lula na campanha e depois dirigiu a PF: sem memória

Rocha Mattos conta que era indisfarçável o interesse das hostes petistas na destruição das fitas. Ele diz que, antes de tomar a decisão de mandar incinerar o material, chegou a ser procurado em seu gabinete pelo delegado Francisco Baltazar, então chefe de segurança da campanha presidencial de Lula e, mais tarde, dirigente da Polícia Federal em São Paulo. Foram três encontros. "Ele sempre dizia que seria bom que as fitas fossem destruídas porque elas poderiam prejudicar o partido." Baltazar afirma que não se lembra de ter falado sobre esse assunto com Rocha Mattos. As acusações que lança contra Gilberto Carvalho são a terceira contribuição de Rocha Mattos ao caso de Santo André. Ele já indicou à Justiça duas testemunhas-chave do crime: uma mulher, cujo nome se mantém em sigilo, que diz ter testemunhado o seqüestro e presenciado o comportamento cúmplice de "Sombra", e um homem, hoje preso e também mantido no anonimato, que denunciou com antecedência que Celso Daniel (e também Toninho do PT, morto em 2001) seria assassinado. Procurado por VEJA, Gilberto Carvalho disse que "repudia com veemência" as acusações, promete que vai processar Rocha Mattos e informa que tem notícia de que há gravações montadas com sua voz, com o objetivo de incriminá-lo. Diz ele: "Nós, os amigos de Celso Daniel, não somos acusados, somos vítimas".

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