Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, julho 18, 2008

De volta a 1929 - Luis Carlos Mendonça de Barros




Folha de S. Paulo
18/7/2008

O dinheiro público tem que ser mobilizado para evitar o pior; a ação fiscal para lidar com a crise de hipotecas já vem tarde

TENHO ACOMPANHADO de perto a crise bancária norte-americana e as discussões sobre o acerto ou não das ações tomadas até agora pelas autoridades responsáveis. As atenções estiveram centradas no Fed, principalmente depois do recente resgate do banco de investimentos Bear Stearns. O segmento ultraliberal dos formadores de opinião não poupou adjetivos para condenar essa operação. Mesmo entre membros do governo Bush, foram muitas as críticas azedas contra essa aplicação do dinheiro público. Um jornalista importante do "Financial Times" chegou a decretar o fim do liberalismo e, em seguida, quase tomou uma forte dose de cicuta.
Nesta última semana, mais um evento obrigou o governo americano a propor o resgate bilionário de duas instituições semipúblicas -Fannie Mae e Freddie Mac- e que estavam sendo vítimas de especulações violentas no mercado acionário de Wall Street. Duas novidades devem ser mencionadas nesse novo caso: a primeira é que a proposta veio agora da própria Casa Branca; a segunda é que as cifras envolvidas estão na casa dos trilhões de dólares, e não mais na dos bilhões, como na crise do Bear Stearns.
Esse movimento do executivo foi importante na medida em que tirou do isolamento o presidente do Fed, responsável direto e quase solitário pela decisão de resgate daquele banco. O secretário do Tesouro havia dado declarações ambíguas sobre o comportamento de Ben Bernanke.
Agora, pressionado pelo tamanho das duas instituições federais de refinanciamento de hipotecas, ele foi obrigado a assumir a proposta de injeção de dinheiro público para salvá-las de um colapso iminente.
Essa medida também foi recebida com violentas críticas pelos mesmos defensores extremados do liberalismo, inclusive vários senadores da linha dura do Partido Republicano.
Para esses, o único caminho possível para punir os irresponsáveis seria o da perda total dos recursos investidos. Mesmo que para isso fosse necessário arrastar o mundo todo para a depressão econômica. Esquecem esses senadores, entretanto, que, entre os investidores nos papéis emitidos por essas empresas, estão países como a China e os grandes produtores de petróleo do Oriente Médio. As estatísticas oficiais mostram que mais de US$ 1,2 trilhão das reservas externas desses países está investido em títulos das chamadas agências federais, como a Fannie Mae e a Freddie Mac. O que aconteceria aos norte-americanos, inclusive aqueles que esses políticos ultraliberais pretendem defender, se houvesse a falência dessas empresas e uma fuga do dólar como moeda de reserva?
Mais uma vez voltamos a discutir temas que sinceramente pensava terem sido esclarecidos pelas quebras de instituições financeiras em 1929/ 1933. Mas a semente do liberalismo religioso ainda está bem presente entre nós. Mas não adianta espernear quando uma crise bancária atinge dimensão sistêmica; o chamado dinheiro público tem que ser mobilizado para evitar o pior. Nesses momentos, quanto mais cedo os governos se moverem, menores serão os custos. A ação fiscal para lidar com a crise no mercado de hipotecas já vem tarde. Deveria ter sido tomada há alguns meses, substituindo a devolução de impostos que estamos vendo agora.
Incrível a falta que um entendimento correto do pensamento keynesiano faz nesses momentos.

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