Não deixe a vida te levar
Montagem sobre foto Hulton Archive/Getty Images |
Montaigne: auto-estima a serviço do bem comum |
Três reportagens desta edição de VEJA tratam de assuntos aparentemente distintos. Uma delas é tecida em torno do conceito da auto-estima e investiga desde seu valor filosófico, poético e histórico até desembocar em suas potencialidades como instrumento de aprimoramento pessoal da vida social, acadêmica e profissional. Outra é uma cuidadosa reconstrução da história da empregada doméstica agredida por delinqüentes juvenis de classe média do Rio de Janeiro. A terceira reportagem mostra como o governo está arrancando das garras do crime organizado o Complexo do Alemão, favela que virou cidadela do tráfico de drogas no Rio de Janeiro.
As três reportagens embutem uma lição em comum: a de que o verdadeiro sucesso está em não se deixar conduzir pelas pressões sociais. Está em garantir que no decorrer da vida as escolhas fundamentais sejam sempre individuais. Alguém pode nascer no Complexo do Alemão e escolher ser honesto. Pode nascer no bairro carioca de classe média chamado Barra da Tijuca e escolher ser um espancador de mulheres. Uma pessoa pode nascer e ser criada em condições domésticas adversas ao desenvolvimento do amor-próprio e da autoconfiança e, ainda assim, encontrar recursos psicológicos suficientes para fazer escolhas que permitam mudar sua vida para melhor.
Os tempos que correm são propícios à imputação de culpas coletivas, de crença em destinos definidos por raça ou classe social. Essas grandiosas noções esquemáticas são imperfeitas porque minimizam o poder de decisão individual das pessoas. Desprezam os méritos das mães do Complexo do Alemão que optaram por criar seus filhos para uma existência honesta. Minimizam o papel deletério da ação ou inação dos pais na produção dos jovens bandidos espancadores de classe média da Barra da Tijuca. O francês Michel de Montaigne (1533-1592), filósofo cujos ensinamentos embasam parte da reportagem especial sobre auto-estima, ensinava que as experiências negativas de vida inculcam nas pessoas predisposições violentas e até monstruosas. Cabe a cada um refreá-las, menos pelos seus efeitos sobre os outros do que sobre si mesmo. Disse Montaigne: "O que eu sou para mim mesmo importa mais do que eu significo para os outros".