As operações, os serviços e os recursos do Banco do Brasil nada têm a ver com o seu passado, recente ou remoto, mas o atual governo, ao indicar políticos para cargos no seu conselho diretor, o trata como nos tempos que distribuía crédito subsidiado.
O antigo BB concedia empréstimos camaradas, mas podia fazê-lo porque o grosso de seus recursos vinha da “conta de movimento”, pela qual pagava juros de 1% ao ano ao Banco Central. Mesmo cobrando relativamente muito pouco, o BB gerava bons lucros.
Esse arranjo encobria qualquer ineficiência. Os políticos podiam estar na diretoria, não havia maior cuidado com a produtividade e se mantinham agências deficitárias. O quadro de pessoal crescia para atender aos encargos de um banco de governo que também executava gratuitamente funções de interesse do Tesouro.
A realidade chegou com a inevitabilidade da extinção da “conta de movimento” (em 1986) e com a estabilidade da moeda (em 1994).
As perdas apareceram, obrigando o Tesouro a injetar bilhões de reais no capital do BB. Os ajustes se tornaram imperativos. Entre 1995 e 1998, no primeiro mandato de FHC, o seu conselho diretor foi constituído de profissionais identificados com suas respectivas áreas. Sua presidência coube então a Paulo César Ximenes.
Nesse período, o BB passou por profunda reestruturação, que incluiu redução de pessoal e de outros custos, além de amplos investimentos em tecnologia. Acelerou-se sua participação em todos os segmentos do sistema financeiro, como previsto nos estudos sobre o fim da “conta de movimento”.
No exterior, reestruturou-se a rede de agências e criou-se a bem-sucedida BB Securities, em Londres, para atuar nos mercados internacionais de capitais e participar do lançamento de papéis brasileiros.
O amadurecimento dessas medidas trouxe excelentes resultados.
Dias atrás, o BB recebeu o prêmio Financial Times de Finanças Sustentáveis como o melhor na América Latina, pela excelência na criação de valores financeiros, econômicos e ambientais. Semana passada, a FGV classificou o BB como o melhor banco público de 2006 e o de maior rentabilidade entre os cem maiores conglomerados financeiros do País.
A modernização do BB é incompatível com a indicação de políticos para a diretoria. Hoje, captando recursos no mercado, a profissionalização e uma nova governança corporativa se tornaram fundamentais. Foi possível dispensar os filtros de outros tempos.
Agora, tudo isso desaba com as indicações do ex-senador Maguito Vilela e do ex-ministro Luís Carlos Guedes para vice-presidências, incluindo o vexame da ampliação de cargos para absorvê-los.
Nada tenho contra os indicados. Conheço o ex-ministro, com quem convivi quando éramos assessores ministeriais. O problema é o critério de escolha.
O que dizer agora nos “road shows” que o BB faz pelo mundo para manter bem informados os seus investidores, que acreditaram na história anterior? Diante da nomeação de políticos, a Bovespa aceitará o ingresso do BB no Novo Mercado? Abandonou-se a tradição de profissionalismo que estava sendo formada?
Perguntas difíceis.
O BB ainda apresenta ineficiências. Mantém sede em Brasília, muda freqüentemente a diretoria e executa programas de governo sem remuneração apropriada.
Poderá agravá-las com indicações políticas e com a possível recriação dos filtros de outras épocas. E desta vez não terá a “conta de movimento”.
Infelizmente, não basta criar mecanismos para proteger o BB dessas interferências todas. O governo sempre pode fazer valer seus desígnios e designar políticos, o que desrespeita os acionistas privados, contraria a disciplina do Novo Mercado e pode afetar a imagem institucional do BB, particularmente no exterior. A saída é desligá-lo definitivamente do governo, para assim preservar sua higidez financeira, reter seus talentos e evitar novos passos como esses.
É verdade que a privatização soa heresia para antigos funcionários. O mesmo se dirá da parte da sociedade que vê o BB como vaca sagrada e por isso pode ser manipulada, como nas eleições de 2006.
Privatizá-lo não é simples nem politicamente viável nestes dias. Talvez levemos uma geração ou mais para amadurecer a idéia. A maioria é contra, particularmente os menos informados e os movidos por ideologia estatista. É preciso, todavia, começar o debate.
*Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br)