Assim como há momentos decisivos na vida que separam os homens dos meninos, há também os que distinguem os meros políticos dos estadistas. A diferença entre o político e o estadista é que o primeiro pensa na próxima eleição, enquanto o segundo pensa na próxima geração, diz uma máxima política de autor desconhecido. O presidente Lula está diante de um momento desses: ou se contenta com o que já conseguiu, e que não é pouco, ou segue adiante fazendo as reformas estruturais de que o país precisa para um crescimento acelerado e sustentado.
Ele ontem, na entrevista ao jornal “Valor Econômico”, garantiu que pretende fazer as reformas previdenciária, trabalhista e tributária até o fim de seu segundo mandato.
São reformas muitas vezes impopulares, que exigem negociações exaustivas no Congresso, mas que sinalizam para um projeto de longo prazo, e não apenas para a próxima eleição.
Eufórico com sua própria imagem no espelho, Lula anuncia que nunca o país esteve em situação tão boa desde a proclamação da República.
Embora existam dúvidas históricas a respeito, é certo que o momento econômico do país é mesmo excepcional.
Ontem, o senador Aloizio Mercadante, líder do governo no Senado, desfiou uma série de conquistas realmente admiráveis. Segundo ele, há 15 trimestres temos um crescimento econômico progressivo, e completaremos neste segundo trimestre de 2007 o mais longo período de crescimento sustentado do Brasil nos últimos 25 anos.
O país cresceu nos últimos três anos a uma média de 4,1% e estamos crescendo a 4,7%. Estamos acelerando o crescimento, com qualidade.
A formação bruta de capital, que é a compra de máquinas e equipamentos para a indústria ter capacidade produtiva nova, está aumentando 7,3%, puxando o crescimento econômico.
O melhor posicionamento nas agências de risco de toda a História faz antever o grau de investimento das agências para breve, atraindo investimentos externos, novas fábricas, novas indústrias.
Segundo Mercadante, o crescimento da massa salarial foi de 8,3% nos últimos doze meses, “um ritmo chinês”.
Em quatro anos, o salário mínimo teve um crescimento real de 36%, aprofundando o processo de distribuição de renda, auxiliado também pelo Bolsa Família.
Já temos, segundo Mercadante, hoje a melhor distribuição de renda dos últimos 30 anos, detectado pelo índice de Gini, que mede internacionalmente a concentração de renda.
Todos os fatos são verdadeiros, apenas a ênfase pode ser contestada. O índice de Gini, por exemplo — que, variando de 1 a zero, quanto menor mostra a renda menos concentrada — tem uma tendência consistente de melhoria nos últimos treze anos. Em 1993, antes do Plano Real, ele era de 0,600 e hoje estamos em 0,552. Mesmo assim, o índice de Gini da América Latina é de 0,52.
Por outro lado, os números mostram, segundo artigo recente do economista José Roberto Afonso, que nossa economia ficou pequena dentro do mundo, e até mesmo dentro de nosso continente. Até 2000, o Brasil crescia mais que a América Latina: desde 1960, uma expansão média anual de 2,4% do PIB per capita contra 1,4% da região, resultado “pífio” diante do Leste Asiático, que cresceu 4,6% no mesmo período.
Desde 2002, o quadro se deteriorou, comenta Afonso: se naquele ano o Brasil respondia por 56,2% de tudo que se produzia na América do Sul; até 2007 esta fatia encolherá para 46,8%, segundo as últimas projeções de organismos internacionais (FMI e OCDE).
José Roberto Afonso diz que os dois principais preços da economia (juros e câmbio) “estão evidentemente fora do lugar”. Segundo levantamento do Iedi (com base no Banco Mundial), a taxa real de juros do crédito no Brasil em 2005 foi de 45,4% ao ano, muito alta comparada com países como Coréia (2,7%), Chile (3,5%), México (5,9%) e Índia (6,5%).
Ele cita estudo do IEDI que mostra que entre 2000 e 2005, a taxa de câmbio real efetiva no Brasil foi a que mais se valorizou entre economias desenvolvidas e as principais economias em desenvolvimento : 30% neste período, enquanto no Chile, Coréia, México, Colômbia, Índia, entre outros, a valorização não chegou a 10%. Na zona do euro, esta variação foi em média 20%, e em países como Venezuela, Peru, China e Israel, a taxa de câmbio efetiva ainda sofreu desvalorização real.
Segundo dados do Anuário do FMI 2005, citados por Afonso, a carga tributária brasileira (que subiu de 33,8% para 34.6% em 2006), iguala-se à carga média de países industrializados, e é muito superior à carga média dos países em desenvolvimento (27,4% do PIB).
Mesmo antes do aumento de até 130% dado para os assessores DAS do governo, e da criação de novos 600 cargos para o primeiro escalão do governo, José Roberto Afonso já apontava que “nos últimos anos, a máquina administrativa federal foi inchada e também perdeu funcionalidade, tornando-se mais cara e menos eficiente. Isso exige uma carga tributária exagerada e resulta em gastar muito e mal”. Segundo seus dados, a despesa de pessoal da União com servidores civis cresceu 24,3% entre o primeiro semestre de 2002, e o primeiro semestre de 2006.
Como se vê, por trás dos números positivos da economia, há um Estado pesado e crescente que impede o desenvolvimento econômico sustentado. Promover as reformas estruturais e cortar gastos públicos é o contrário do que o governo vem fazendo.
Lula pode aproveitar a boa perspectiva futura para assumir posições não tão populares, mas que deixarão sua marca na história do país. Ou pode se contentar em ser um presidente popular, tentar fazer seu sucessor, e garantir a possibilidade de retornar ao governo em 2015, já que a possibilidade de obter um terceiro mandato parece inviabilizada no momento
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