Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 21, 2007

Míriam Leitão - Pronto para voar





O Globo
21/6/2007

O negócio anunciado ontem pela Embraer e pela BRA foi o mais eloqüente sinal de que o setor privado quer voar, o mercado se expande, e quem está amarrando todos ao solo é o setor público. A BRA quer investir forte em aviação regional, o mercado para isso existe num país continental com várias cidades médias em expansão. Outras empresas fazem também planos de expansão.

Ontem à tarde, enquanto a Infraero informava que 23% dos vôos estavam com atraso acima de uma hora e que vôos pontuais só se teriam hoje; na França, a BRA anunciava a compra de jatos para incrementar sua operação regional. A demanda aumenta, as companhias investem, e o governo continua, nove meses depois do acidente da Gol, a dar mostras de que não consegue dar segurança, regulação e eficiência ao transporte aéreo de passageiros.

A Delta Airlines quer voar para mais oito capitais brasileiras, como informou ontem a coluna Negócios & Cia, de Flávia Oliveira. O Brasil é o melhor mercado deles na região. A TAM está comprando mais quatro Boeings 777-300; já havia comprado outros quatro em outubro. A Gol não pode antecipar seus planos porque é empresa de capital aberto, mas os tem. A Varig tenta renascer. A BRA foi às compras e, pelo apetite mostrado, quer mesmo crescer no rico filão da aviação regional. Ela está capitalizada pela Brazil Air Partners.

O Brasil é um país continental, há várias cidades médias que são importantes pólos econômicos. Tudo indica que a aviação regional tem um enorme espaço para crescer e que é um grande negócio. Mesmo assim duas companhias pequenas, BRA e Oceanair, têm patinado. Se crescer uma terceira força, haverá a esperança de que se rompa esse intolerável duopólio com suas imposições abusivas sobre o consumidor.

O duopólio da aviação brasileira hoje concentra 88% do total de vôos (com a Varig são 92%). A TAM é líder no mercado doméstico e internacional; seguida pela Gol.

Diariamente os passageiros são submetidos a casos inacreditáveis de maus-tratos de ambas. Faltam regulação, defesa do consumidor, regras transparentes de fixação de tarifas. Quem viaja sabe. Por isso sei, sofro e vejo o que outros sofrem na aventura de voar no Brasil. Um jornalista se enfureceu depois de horas de espera e maus-tratos e decidiu fazer queixa na Anac. Teve que andar o aeroporto inteiro até encontrar um lugarzinho num canto onde se escondia a agência reguladora. Foi informado de que, para reclamar, teria que ir a uma papelaria, tirar xerox do formulário, preenchê-lo e esperar 45 dias.

Os planos de negócios das novas empresas que querem espaço nesse mercado mostram enormes potencialidades aqui e nas ligações com cidades dos países vizinhos. Onde está o estrangulamento? No governo. A Anac é quase inexistente. O ministro da Defesa foi afastado do tema. O comandante da Aeronáutica caiu e não se vê diferença. A ministra do Turismo é aquela que fez a sugestão descabida. O controle aéreo tem ineficiências graves e, em vez de superá-las, o governo continua ameaçando pessoalmente os controladores.

Considerando todas essas novas compras, o transporte aéreo no Brasil aumentará bastante nos próximos anos. Até 2012, a frota da TAM, por exemplo, vai crescer 60%. O aumento deverá ser em mais vôos nos mesmos destinos. Já a Gol quer ampliar o número de cidades em que opera. Assim, o governo terá que ter planos mais ágeis de crescimento, para vencer os atuais estrangulamentos. Também é urgente que a competição seja mais bem fiscalizada e punida.

Enquanto as grandes dividem as rotas com mais passageiros, 16 pequenas companhias aéreas regionais trabalham em cidades médias, voando com aviões que têm, no máximo, 100 assentos. Elas vêm crescendo forte nos últimos anos: 40% em 2005; 24% em 2006 e este ano esperam mais 17%. Cresceram quando as grandes foram abandonando alguns destinos.

- Um vôo para Ji-Paraná, por exemplo, tinha média de 38 passageiros. Isso não paga um vôo com 110 assentos. Já num com 70, é possível lucrar - conta Apostole Lack Chryssafidis, que preside a Associação de Transporte Aéreo Regional.

Em média, os vôos da aviação regional duram 1 hora, 1,5 hora e ligam cidades menores às capitais.

- Incentivamos que as empresas grandes façam acordos com as regionais, isso capilariza o sistema. A pessoa despacha a bagagem num ponto e só recebe no outro; paga uma passagem mais barata; ganha pontos de fidelidade. Nos Estados Unidos, a American Eagle faz isso e tem acordos com a Delta e com a American - diz Lack.

Cerca de 160 milhões de passageiros usam as companhias regionais americanas por ano, são 15% de market share. No Brasil, são apenas 3 milhões, 3% do total.

A aviação voltou a crescer mundialmente em 2004, após anos terríveis depois do 11 de Setembro. A Iata acabou de revisar para cima a previsão de lucro líquido das companhias para este ano, isso por causa do crescimento forte de Ásia e Europa. Vários governos estão decidindo liberalizar o transporte aéreo, permitindo companhias estrangeiras. A briga atual da Iata é por isso, pois, segundo seu principal executivo: "O transporte aéreo é regido por normas de 60 anos do sistema bilateral. Na época, os integrantes da Iata eram responsáveis pelo transporte de 9 milhões de passageiros; hoje são 2 bilhões."

 
 

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