Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 23, 2007

Conversas milionárias

Conversas milionárias

Roriz é pilhado recebendo 2,2 milhões de reais, diz
que o dinheiro é do dono da Gol – e é desmentido


Diego Escosteguy

Fotos Dida Sampaio/AE
O senador Joaquim Roriz afirma que os 2,2 milhões pertenciam ao empresário Nenê Constantino... ...mas o empresário Nenê Constantino informa que nem tem conta no BRB

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O senador Joaquim Roriz, do PMDB do Distrito Federal, tem um vasto currículo. Ele foi vereador, deputado, prefeito, ministro e governador do Distrito Federal por quatro vezes. Apesar de ter dedicado os últimos quarenta anos à política, o senador nunca abandonou os negócios, o que fez dele um milionário fazendeiro, famoso por seu protagonismo econômico nos principais leilões de gado do país. Roriz também é conhecido por acumular, além de riquezas, um prontuário de encrencas jurídicas e policiais. Agora, descobriu-se que o senador está envolvido em mais uma delas. Das grandes. Ele foi fisgado no curso de uma operação da Polícia Civil de Brasília que prendeu uma quadrilha que desviava recursos do BRB, o banco estatal do Distrito Federal. Na semana passada, VEJA teve acesso à gravação de diálogos em que um dos presos na operação, Tarcísio Franklin de Moura, ex-presidente do banco e amigo do senador, aparece combinando com Roriz a entrega de 2,2 milhões de reais em dinheiro vivo ao senador. Os diálogos sugerem que o dinheiro, supostamente sacado da conta do empresário Nenê Constantino, dono da Gol Linhas Aéreas, seria entregue em casa ao senador em um carro-forte. Antes disso, o senador Roriz, o preso Tarcísio e pessoas ainda não identificadas negociaram sobre a melhor forma de receber o butim e reparti-lo. Em casa? No escritório? O que fazer com tanto dinheiro vivo?

"Na hora que tiver (o dinheiro) com você, você avisa para mim", pede o senador Roriz, querendo ganhar tempo para encontrar o melhor lugar para dividir a grana. "O dinheiro vai da tesouraria, vai direto. Vai num carro", avisa Tarcísio, que ainda presidia o banco, informando que os recursos não passariam por suas mãos. Ao saber que o dinheiro iria em um carro, o senador Roriz pareceu assustar-se. Ele se recusa a recebê-lo em casa. "Ah, não. Aí eu não quero, não. Desse jeito, não", diz. O preso Tarcísio pergunta: "Onde é que vai pôr esse dinheiro?". "Não tem um cofre, não?", indaga Roriz. "Mas para isso tudo não tem, não", explica Tarcísio, dando uma risadinha. O senador sugere que é preciso encontrar outra solução e é informado de que uma parte do dinheiro, 200.000 reais, deveria ser depositada. O restante, 2 milhões de reais, ao que tudo indica, seria dividido entre ele e outras pessoas. Outra conversa entre o preso Tarcísio e o senador Roriz mostra que a solução encontrada foi levar o dinheiro para o escritório do empresário Nenê Constantino, em Brasília, e ali fazer a partilha.

Por envolver um senador, o caso foi encaminhado à Procuradoria-Geral da República acompanhado de documentos que pedem investigação sobre uma possível prática de crime de lavagem de dinheiro. Procurado por VEJA, Joaquim Roriz, por meio de assessores, garantiu que tudo não passa de um negócio simplório entre ele e Constantino. Na versão de Roriz, no dia 12 de março, ele se encontrou casualmente com Constantino e comentou que estava sem dinheiro para pagar uma bezerra que comprara por 300.000 reais. Constantino teria dito então que, casualmente, tinha no bolso um cheque de 2,2 milhões de reais e que Roriz poderia levá-lo, descontá-lo no BRB, pegar os 300.000 e devolver o restante. No dia seguinte, 13 de março, assim foi feito.

Para provar sua versão, o senador apresentou um contrato entre ele e o dono da Gol, assinado em 12 de março, um dia antes do saque milionário, cópia do cheque e do depósito. Talvez por envolver dois amigos, o contrato de empréstimo não foi registrado nem as assinaturas foram reconhecidas em cartório. Parece inverossímil – e é. O empresário Nenê Constantino, consultado por VEJA, disse que de fato emprestou 300.000 reais ao senador, assinou um contrato e recebeu notas promissórias em garantia. Mas só. Sobre o cheque de 2,2 milhões de reais, Constantino garante que nunca ouviu falar. Aliás, disse que nem tem conta bancária no BRB... A explicação de Nenê Constantino, próspero e sólido empresário, coloca o senador Roriz de novo em uma situação difícil. Roriz já foi surpreendido em negócios com os anões do Orçamento. Quando era governador do DF, foi flagrado em sociedade com grileiros de terra pública. É um especialista em safar-se dessas encrencas. Nesse episódio ele é desmentido por um dos mais inovadores e bem-sucedidos empresários do país. Vai escapar de novo?

"COMO EU VOU TRANSPORTAR ESSE DINHEIRÃO TODO?"

Neste diálogo, captado em 13 de março passado, o presidente do BRB, Tarcísio Franklin de Moura, informa ao senador Joaquim Roriz que os 2,2 milhões de reais, sacados da conta do empresário Nenê Constantino, dono da Gol, serão entregues na própria casa do senador – nas mãos de "Major", um dos assessores de Roriz no Senado. Desconfiado, Roriz não gosta da idéia de receber a montanha de dinheiro em sua casa. Quando sabe que o dinheiro será entregue num carro, Roriz recusa a idéia definitivamente. "Ah, não. Aí não quero, não", diz Roriz. O senador fica de pensar num lugar alternativo para a entrega e então ligar de volta para Tarcísio.

Roriz – Alô.
Tarcísio – Oi, chefe.


Roriz – Recebeu aí?
Tarcísio – Recebi e já estou resolvendo. Lá pelas
4 horas vai ser entregue para o Major o valor total.


Roriz – Sei, sei.
Tarcísio – Lá na MSPW (refere-se à sigla SMPW, que designa a região da residência de Roriz em Brasília).


Roriz – Não, mas o, o...
Mas pode ser separado.
Tarcísio – Não, mas o melhor era tirar de uma vez só, porque não tem jeito de o cheque ficar no caixa.

Roriz – Ah, sei. Não tem, não?
Tarcísio – Não. Não tem como tirar o dinheiro e pôr o cheque na compensação, e pronto.

Roriz – Não pode tirar?
Tiraram tudo?
Tarcísio – Tudo. (...)

Roriz – Então tá... Mas aí não dá pra entregar assim porque... Mas... Se você... Na hora que tiver com
você, você avisa para mim.
Tarcísio – Não, não vai estar na minha mão, não. O dinheiro vai da tesouraria, vai direto. Vai num carro.

Roriz – Ah, não. Aí não quero, não.
Tarcísio – Não?

Roriz – Não.
Tarcísio – Uai, então...

Roriz – Desse jeito, não.
Tarcísio – E como eu vou transportar esse dinheirão todo?

Roriz – O que que eu faço?
Tarcísio – (Pigarreia)

Roriz – Mas não quero, não.
Tarcísio – Não? Então eu vou voltar lá.
Roriz – Hein?
Tarcísio – Então eu vou ter que... Porque não tem jeito, não tem como... Onde é que vai pôr esse dinheiro?

Roriz – Não tem um cofre, tesouraria?
Tarcísio – Saiu da tesouraria tem que entregar para
alguém.

Roriz – Não tem um cofre, não?
Tarcísio – Mas pra isso tudo não tem, não. (Risos)


Roriz – Então vamos
esperar, ver o que faz.
Tarcísio – Tá.

Roriz – Eu não sei, eu não sei como é que faz... Assim eu não gostaria, não.
Tarcísio – Não?

Roriz – O dinheiro é de muita gente.
Tarcísio – Ahã. Pois é. O problema é que tinha que centralizar num lugar e fazer (refere-se a fazer a partilha). Porque depósito mesmo é só um, de 200 e poucos mil (refere-se ao fato de que apenas uma pessoa receberia o dinheiro na forma de depósito). E como é que entrega os outros? Não tem jeito. Tinha que entregar num lugar, pra naquele lugar dividir. Eu imaginei que podia levar para lá.
Roriz – Não, não convém, não.
Tarcísio – Então vamos ver outro lugar.
Roriz – Vou pensar e te falo daqui a pouco.

"DE LÁ SAI CADA UM COM O SEU"

Nesta conversa, interceptada logo em seguida, Tarcísio Franklin de Moura, presidente do BRB, liga para o senador Joaquim Roriz para sugerir que a entrega do dinheiro fosse no escritório do empresário Nenê Constantino, em Brasília. Roriz dá a entender que pensou no mesmo lugar. Os dois se divertem com a coincidência.

Tarcísio –
Oi, senador.
Roriz – Oi.


Tarcísio – Posso sugerir um negócio?
Roriz – Pode.


Tarcísio – Por que a gente não leva lá para o escritório do Nenê (refere-se a Nenê Constantino, dono da Gol)?
Roriz – Era pra isso mesmo.


Tarcísio – E de lá sai cada um com o seu.
Roriz – Era para ser isso mesmo, mesmo porque lá não tem dúvida nenhuma. É pra isso mesmo.


Tarcísio – Exatamente.
Roriz – Eu já tô pegando o endereço dele já.


Tarcísio – Então tá ótimo. Nós pensamos a mesma coisa.
Roriz – (Risos)


Tarcísio – Então tá bom.

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