A gestação da trapaça
O que importa, por suscitar a suspeita de vendas de gado inverídicas, não será objeto da chamada perícia |
A nova etapa da salvação de Renan Calheiros consiste em submeter à perícia, amanhã, os documentos que negariam a reportagem na qual a TV Globo mostrou a falta de condições, para comprar gado do senador, das pessoas e empresas por ele dadas como compradoras. Na terça-feira o resultado da perícia é apreciado pelo Conselho de Ética e, em seguida, aí votado o parecer em que o senador Epitácio Cafeteira declara a inocentação absoluta de Renan Calheiros por "inexistência de um só documento que seja", em tudo o que apareceu, capaz de pô-lo sob suspeita.
Mas a perícia será apenas uma farsa. Sob esse rótulo, um funcionário do Senado e outro da Polícia Federal (o senador Romeu Tuma é craque em certos encaminhamentos nessas horas) estarão incumbidos de atestar que as cópias de recibos e notas fiscais apresentados por Calheiros são autênticos. Assim: autênticos no sentido de que notas fiscais, por exemplo, com referências a vendas de gado, vieram de um bloco de notas fiscais. Não, porém, no sentido da relação entre os documentos e a ocorrência real das vendas mencionadas, seus valores e a autenticidade dos compradores indicados pelo senador. Ou seja, o que importa, por suscitar a suspeita de vendas de gado inverídicas, dadas como fontes de pagamentos de Renan Calheiros a Mônica Veloso, não será objeto de verificação que será chamada de perícia. Tão séria que será feita em um só dia.
Quanto mais Renan Calheiros se vê complicado, mais vemos a capacidade de arranjos indignos no Senado, montados ou aceitos por conivência, para burlar os mais singelos deveres da moralidade política. De parte do governo, nesse caso, não há diferença: "O que Renan precisa é de solidariedade", diz o ministro Mares Guia, a quem Lula entregou, vê-se aí com que propriedade, as Relações Institucionais, logo elas.
Renan Calheiros não poderia receber mais solidariedade do que lhe dão os seus iguais.
Sem censura
Breve contribuição ao debate provocado pela defesa da publicidade irrestrita de cerveja, feita em nome da liberdade de expressão pelo presidente do Conselho de Auto-regulamentação Publicitária, Gilberto Leifert: diz ele, no último boletim do Conar, que "tão importante quanto a condição de fiadora da liberdade de imprensa é a utilidade da propaganda na sociedade moderna".
A publicidade que tanto recheou os jornais, tevês e revistas durante a censura no regime militar era fiadora da liberdade de imprensa? Ou, em nome do faturamento, era indiferente ao sentido de suas campanhas como o "Ame-o ou deixe-o", e tantas outras de igual ódio à liberdade de expressão e, pior, à liberdade de pensamento?
A propaganda e a liberdade não precisam de publicidade enganosa e por isso sujeita às regras do Conar.