Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 21, 2007

Causa e efeito Merval Pereira

Faz parte do folclore político uma resposta do então deputado Carlos Lacerda a um adversário, que classificara um discurso seu de “um purgante”. Lacerda, que era um grande tribuno, não se deu por achado e rebateu: “E Vossa Excelência é o efeito”. Do senador sem voto Wellington Salgado pode-se dizer que é o efeito das crises na política e na educação brasileiras.

Ele faz parte da família que é proprietária da rede de ensino superior Universo (Universidade Salgado de Oliveira), que começou em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, e hoje está instalada em 11 cidades do país. Ontem, sentiu-se moralmente livre para aceitar a relatoria do processo contra o presidente do Senado Renan Calheiros, mesmo já tendo anunciado seu voto em reunião anterior a favor dele e, principalmente, de ter tido uma relação comercial com o senador Renan que está sendo objeto de uma ação popular na Justiça de Goiás.

Salgado, em nome da Universo, e Renan, então presidente da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (Cnec), fizeram um contrato com um terreno que havia sido doado pelo Estado de Goiás para que a Cnec lá construísse uma escola de crianças carentes.

Sem entrar no mérito da legalidade do ato que está sendo questionado na Justiça, ele revela um relacionamento comercial anterior do relator com o presidente do Senado que deveria impedi-lo de assumir a relatoria do caso.

Como, pelo regimento interno do Conselho de Ética, somente o senador poderia se declarar impedido, deixou-se ao critério moral do senador Wellington Salgado a decisão. Ele evidentemente não se sentiu impedido, como não se sentira anteriormente impedido de defender enfaticamente os documentos apresentados pelo senador Renan Calheiros, mesmo tendo comentado em conversas informais que vira os papéis, mas não entendera nada.

Com sua nomeação para o cargo de relator, que nenhum senador com voto aceitara, o Conselho de Ética prosseguiu a farsa montada para absolver o presidente do Senado. Mas os arranjos estão a cada dia mais difíceis. Ontem, quando desistiu de ser o relator do processo, oficialmente porque não conseguiu votar o arquivamento, na prática porque sentiu que já não tinha a maioria do Conselho, Wellington Salgado teve seus quinze minutos de efêmera fama.

Ele já havia chamado a atenção por uma sugestão, a de fazer a reconstituição do acidente aéreo com o avião da Gol; e por um comentário, o de que perdera o prazer de fazer xixi pela manhã por causa do desperdício de água com a descarga, diante do aquecimento global.

Chegamos a ter no dia de ontem presidindo o processo um senador, Sibá Machado, que não teve um voto sequer no Acre, e exerce o mandato graças à nomeação de Marina da Silva para o Ministério do Meio Ambiente; e um relator também sem voto, que chegou ao Senado porque o senador Hélio Costa foi nomeado ministro das Comunicações.

São exemplos de uma distorção de nosso processo eleitoral, que permite que exerçam o mandato de senador pessoas que entram na chapa por diversas razões, sejam financeiras ou políticas, sem precisarem ter votos.

Há diversos exemplos de acordos políticos, sendo o mais recente e polêmico o que envolveu o ex-senador Saturnino Braga e o hoje ministro do Trabalho Carlos Lupi. Os dois fizeram um acordo de dividir o mandato, mas Saturnino, tendo saído do PDT, decidiu continuar seu mandato pelo PT, sentindose liberado do acordo.

O acordo de Sibá Machado com o PT é puramente político, mas o de Wellington Salgado pode ter vários motivos, menos o respaldo de uma carreira política. Existem mais três suplentes de senadores sem votos no Conselho: Valter Pereira (PMDB-MS); Aldemir Santana (DEM DF) e João Pedro (PTAM).

Esse deveria ser um dos pontos mais importantes de uma futura reforma política.

Embora os fatos se acumulem contra o senador Renan Calheiros, e ele já não tenha maioria dentro do Conselho para arquivar liminarmente o processo, ainda houve senadores que assumiram o papel de defensores do presidente do Senado. Uns, com cinismo, sugerindo providências inviáveis; outros, defendendo Renan com supostas análises sérias da situação, para atribuir aos empresários dos meios de comunicação interesses políticos por trás do noticiário generalizadamente desfavorável ao presidente do Senado.

O senador Gilvan Borges, do PMDB do Amapá, aliado do senador Renan, sugeriu debochadamente que as investigações durassem 120 dias e que até mesmo a Interpol fosse convocada, numa pantomima absurda.

Já o senador Inácio Arruda, do PCdoB do Ceará, atuou como membro da base aliada na tentativa de preservar a figura do presidente do Senado.

Chegou a sugerir que havia interesses políticos contra o presidente do Senado, e que os senadores não deveriam se deixar pautar pela imprensa, seguindo a mesma posição que os acusados pelo mensalão adotaram durante a crise política anterior: a opinião pública não é a opinião publicada, e os políticos deveriam dar mais atenção ao eleitorado do que à elite que lê jornais e revistas.

O senador Renan Calheiros continua perdendo força política a cada nova investigação que se faz, mas continua provocando constrangimentos claros ao conjunto de senadores.

A maioria, por amizade real, interesses políticos, ou receios de diversas ordens, tratam a questão com evidente cautela. Ainda permanecem na busca de uma solução para evitar uma punição ao senador Renan Calheiros.

Fica evidente na maioria dos discursos que todos estão loucos para encontrar uma solução favorável ao presidente do Senado. Mas, diante do laudo da Polícia Federal que mostrou as incongruências dos documentos, está cada vez mais difícil. Tão difícil quanto será encontrar um relator que assuma a defesa de Renan Calheiros como tentaram os relatores anteriores.

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