O professor auxiliar |
artigo - José Serra |
O Estado de S. Paulo |
20/6/2007 |
Gosto de dar aula, de ser professor. Sempre gostei. Adolescente, ganhei os primeiros trocados dando aulas particulares de Matemática. Anos depois, lecionei no exterior, quando exilado, e depois na Unicamp. A vida pública me tirou do magistério, mas voltei à sala de aula, na Prefeitura de São Paulo. Uma vez por semana passava, pela manhã ou pela tarde, por uma escola da rede pública municipal. Lá ia dar aulas a crianças e aprender com elas. Foi uma experiência nova e fascinante. (E era divertido ouvi-las me chamar, informalmente: “Ô Serra...”) Hoje, sempre que a agenda permite, vou a alguma escola estadual fazer o mesmo. Esse convívio com crianças, professores e diretores me mostrou, na prática, o que já sabia na teoria. O processo de alfabetização de uma criança é fundamental. Um estudante poderá carregar por toda a sua vida escolar problemas insuperáveis de leitura e escrita, originados de uma alfabetização deficiente.Sem um esforço conjunto para enfrentar, nos primeiros anos de escola, as dificuldades de aprendizado, nossos estudantes da rede pública estarão sempre em desvantagem, muitos talvez condenados a repetir o ciclo de pobreza de seus pais e avós. Este é um diagnóstico unânime entre os educadores. Mas foi duro ouvi-lo dos pais e das próprias crianças ou ao receber as cartas que alguns “alunos por um dia” me escreveram. Grande parte deles, de uma ou outra forma, expressa a angústia de que a escola não os prepare suficientemente para progredir na vida, ter melhores oportunidades de emprego, entrar na universidade, seguir a carreira com que começam a sonhar.Ampliar o acesso de estudantes das escolas públicas à universidade e aumentar a oferta de cursos técnicos, como vamos fazer no Centro Paula Souza, do Estado, são idéias muito boas e de grande valia. É certo, contudo, que terão sua eficácia limitada se o ensino básico seguir num patamar de tantas carências e dificuldades. Sem iludir ninguém nem fazer promessas vãs de que é possível resolver de pronto os problemas da educação, estou convencido de que se pode, sim, começar a mudar desde já esse quadro triste. É inegável que cumprimos várias etapas ao longo de muitos anos de investimentos: construímos escolas, abrimos as vagas necessárias, contratamos professores, colocamos quase todas as crianças na escola, distribuímos os livros gratuitamente e garantimos a oferta regular da merenda escolar. Falta, agora, o mais importante, a nossa prioridade absoluta, que é a de assegurar uma alfabetização exemplar a todas as crianças das escolas públicas estaduais. Nosso objetivo é ambicioso: que nenhuma criança termine o segundo ano do ensino fundamental sem saber ler e escrever. E bem.Foi para isso que concebemos o programa chamado Professor Auxiliar, que se destina a garantir um auxiliar de ensino nas salas de aula durante a alfabetização. Na primeira etapa, o auxiliar de ensino estará presente em 3.085 salas de aula de escolas públicas da capital; na segunda, chegará aos alunos da Grande São Paulo e do interior. Teremos, então, 5,4 mil escolas e 5 milhões de estudantes atendidos. O projeto é simples: em cada sala de aula, ao lado da professora responsável, estará um estudante universitário, selecionado por sua própria faculdade, com a tarefa de auxiliar os alunos.Ele é um professor de apoio. Não vai substituir a professora e não poderá exercer as funções pedagógicas que cabem a ela. Seu trabalho será ajudar na avaliação dos alunos, antecipar problemas, circular pela sala de aula para dar informações ou fazer perguntas que ajudem os alunos a aprender e, sob a supervisão da professora da classe, propor atividades para grupos de alunos. Embora simples, são tarefas importantíssimas, para as quais um bom estudante de pedagogia está bem preparado.Cada criança tem suas próprias dúvidas, derivadas de sua história pessoal, sua cultura, seu ambiente familiar, sua realidade emocional e algum conhecimento anterior. Ela exige, portanto, respostas específicas. Não por acaso, boa parte das escolas privadas do País já se vale do auxílio desse segundo professor, nos primeiros anos escolares - aqueles em que se trava a batalha decisiva da alfabetização, que pode definir um futuro de sucesso ou de fracasso. Comecei a implantar esse programa, durante minha gestão, na Prefeitura de São Paulo. Minha experiência de dar aulas às crianças foi valiosa, porque me mostrou na prática que este auxiliar é ainda mais necessário na rede pública. As salas de aula são maiores, as dúvidas das crianças surgem o tempo todo e o risco de que as deficiências fiquem escondidas por vários meses - e até anos - é imenso. O desastre, então, aparece quando é tarde demais, só ao final do ciclo, e anos já se perderam.Nossas crianças da rede pública têm outra desvantagem importante. São raros os estudantes que podem contar com a ajuda dos pais em casa, na hora de fazer a lição e de esclarecer as dúvidas que aparecem. São pais e mães que trabalham muito, saem cedo de casa, voltam tarde e têm pouco tempo disponível ou não têm a escolaridade suficiente para ajudar os filhos nos estudos. São pais e mães que não têm livros em casa, não lêem jornais, não compram revistas e não transitam pela leitura e pela escrita - assim, não podem inserir seus filhos nesse universo. Na condição de governador que estudou em escolas públicas, enfrento agora o desafio - e a obrigação - de melhorar a qualidade do ensino. Sei que não precisava dar aulas semanais na rede pública para saber que esses problemas existiam, mas quis ver de perto, sentir e ouvir as dificuldades dos estudantes. Faz diferença, porque não vejo só os números, as planilhas e as estatísticas ao cumprir este que era um dos meus principais compromissos de campanha. Ao lançar o programa Professor Auxiliar, lembro os rostos, as vozes, as perguntas e as dúvidas de todas aquelas crianças. |
Entrevista:O Estado inteligente
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