Um ensaio sobre arquitetura ensina o leitor
a "ouvir" o que os prédios têm a dizer
Jerônimo Teixeira
Ricardo Stuckert/PR |
PALÁCIO DA ALVORADA (Brasília, 1960) |
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Diante das figuras de três modelos de torneira, o leitor é instado a escolher aquela que desejaria ter não na pia, mas como amigo. Na página seguinte, o suíço radicado na Inglaterra Alain de Botton, ensaísta e divulgador da filosofia, especula sobre os diversos estados de espírito que uma cadeira pode inspirar, conforme seu desenho seja sinuoso ou reto. É raro que as pessoas dirijam esse tipo de interrogação aos objetos cotidianos. Mas tal é o objetivo de A Arquitetura da Felicidade (tradução de Talita M. Rodrigues; Rocco; 272 páginas; 42 reais), novo livro de Botton: sensibilizar o leitor para os significados contidos no design das coisas mais triviais. Sobretudo, Botton quer chamar atenção para as grandes estruturas que fornecem abrigo, calor, privacidade às pessoas – os prédios. Com uma profusão de exemplos acompanhados de fotos, de catedrais góticas a modernas sedes de bancos internacionais, Botton tenta explicar o curioso fenômeno pelo qual matérias mortas como tijolo, pedra, madeira, concreto e aço podem ter uma personalidade.
A premissa fundamental de Botton é uma conhecida definição do romancista francês Stendhal: "O belo é uma promessa de felicidade". As melhores casas, lojas, igrejas, prédios de escritórios, portanto, são representações de uma vida ideal, imagens da felicidade a que todos aspiram. "Existem tantos estilos de beleza quantas visões de felicidade", dizia Stendhal, e Botton segue a mesma linha: seu livro é de um ecletismo salutar, sem preconceitos em relação a qualquer escola de construção. Gótico, neoclássico, islâmico, modernista – em todos os estilos, encontram-se construções magníficas, que comunicam emoções elevadas a moradores, visitantes, turistas e passantes. Botton explora os desdobramentos de um fato psicológico básico: o ambiente fala ao estado de espírito das pessoas. As catedrais góticas são talvez o exemplo mais claro. A verticalidade das torres, o detalhismo virtuoso dos adornos aguçam o senso de humildade no visitante. No interior, a luz filtrada pelos vitrais aprofunda esse sentimento. Não importa quão agitada, caótica ou poluída seja a rua lá fora, o ambiente interno impõe um silêncio respeitoso e uma espiritualidade transcendente até mesmo aos descrentes.
Nelio Giambi/Getty Images |
CATEDRAL DE NOTRE DAME (Reims, França, século XIII) |
Prédios profanos podem ser tão eloqüentes quanto uma igreja. As construções neoclássicas dos séculos XVIII e XIX costumam ser ridicularizadas por suas ambições desmesuradas – qualquer baronete inglês podia posar de Péricles ou Marco Aurélio sob as colunas dóricas de sua propriedade rural. Botton lembra, porém, que esse idealismo não implica necessariamente uma alienação da realidade. Os arquitetos e seus clientes muitas vezes tinham plena consciência de que estavam erguendo formas sem correspondência no mundo real. Os prédios teriam a função de representar aquelas qualidades que faltam a seus proprietários e moradores. O modernismo quis romper com essas tradições idealizadas, abolindo toda forma alegórica, toda decoração supérflua em favor da linha reta. Mas essa foi, na verdade, uma nova forma de idealização. As linhas industriais e futuristas da Villa Savoye, casa projetada pelo francês Le Corbusier, finalizada em 1931, eram tão irreais quanto qualquer mansão neoclássica. Le Corbusier propunha uma máquina de morar, uma edificação cujo desenho seria completamente funcional. Mas o telhado reto, expressão cabal de dogmatismo modernista, não era nada funcional. Não dava vazão à água da chuva, inundando o interior da casa. Os proprietários da Villa Savoye até consideraram a possibilidade de processar o arquiteto. Brasília é outro exemplo de idealização modernista, que Botton trata com benevolência descabida. Prédios de concreto nu, amplos espaços vazios, sem árvores e sem sombra sob a luz inclemente, e o tempo seco do Planalto Central demonstram a ridícula incongruência entre o ideal e a realidade.
O ensaísmo de Botton às vezes peca pela amenidade, pela suave domesticação que o autor impõe a seus temas. Essa tendência é mais flagrante em livros anteriores como As Consolações da Filosofia, no qual o pensamento de autores como Montaigne e Schopenhauer é reduzido a fórmulas simplistas, mas também comparece em A Arquitetura da Felicidade. Com sua ênfase nas características "bondosas" e acolhedoras dos prédios que examina, Botton esquece que a beleza às vezes remete ao mais primitivo terror. Prédios grandiosos e opulentos como os palácios islâmicos de Alhambra, na Espanha, ou os arranha-céus de Nova York são demonstrações de poder antes de ser ideais de felicidade. Mas o livro vale como um chamado à sensibilidade do leitor – e, espera-se, dos arquitetos –, tantas vezes embotada em um mundo de arquitetura ruim. Chamado, aliás, que é mais urgente nas caóticas cidades brasileiras do que na Londres cuja degradação urbana Botton critica.