O espelho trincou
"Um senador nordestino e veterano em política diz: 'O problema é que quase todos os senadores têm sua Mônica e seu Zuleido'."
O senador Renan Calheiros já tem quase três décadas de vida pública. Em 1978, venceu sua primeira eleição para deputado estadual em Alagoas. É um político hábil. Já foi líder de governo, já foi ministro e hoje preside o Senado. No escândalo de suas relações promíscuas com um lobista de empreiteira, ele tem dado mostras evidentes de seu talento político: o Senado, não todo, mas quase todo, está francamente a seu favor. É bem verdade que boa parte desses senadores age assim por medo. Medo de Renan Calheiros porque ele já foi ministro da Justiça e, como tal, mandava na Polícia Federal. Os senadores, por alguma razão inexplicável, costumam ter medo da Polícia Federal. Não todos, mas quase todos da tropa de choque de Renan.
Também é verdade que esses senadores protegem Renan por um verdadeiro sentimento de solidariedade. Coisa real, autêntica. De irmão para irmão. A melhor definição para essa irmandade foi dada por um senador, nordestino e veterano em política, que infelizmente pede para não ser identificado. Ele diz: "O problema é que quase todos os senadores têm sua Mônica e seu Zuleido". Mas, ignoremos as amantes e os empreiteiros e reconheçamos que o comportamento bovinamente indecente da maioria dos senadores resulta do brilho, do talento, da habilidade política de Renan.
Pois não é que, com três décadas de vida pública, Renan está caindo numa armadilha criada por ele mesmo? Desde o início do Renangate, o senador adotou a tática do espelho, que consiste em usar a imagem refletida, que é sempre o inverso do real. Então, tudo o que o senador aparenta, tudo o que diz, tudo o que alega, é na verdade o seu exato oposto. Primeiro, tentou vender a idéia de que a imprensa invadiu sua vida privada, mas era o próprio senador que, ao expor sua vida pessoal para nela escudar-se, invadiu a vida pública. Depois, seguindo na tática do espelho, tentou dizer que as denúncias que o fazem sangrar são um ataque ao Senado, mas era o contrário: o senador é que, sangrando na cadeira de presidente, era, ele mesmo, um ataque à instituição.
Com suas atitudes espelhadas, Renan está tentando escapar da guilhotina. Tem todo o direito de fazê-lo. Se colar, colou. A maioria dos senadores reza para que cole. O único problema é que o espelho começou a trincar. VEJA mostrou que suas contas não fecham. O Jornal Nacional mostrou que suas vendas de boi não batem. Cada explicação do senador precisa de outra explicação, que logo requer uma terceira, formando um incessante conjunto de explicações sobre coisas que só podem ser inexplicáveis.
Para os senadores, para aqueles que têm Mônica, Zuleido e medo, não haveria incômodo em deixar Renan se explicando pela eternidade. O problema é que, ao confundir o público com o privado, ao confundir sua figura pessoal com a imagem do Senado, Renan, com seu naufrágio, está afundando o próprio Senado. É coisa séria. Não é o mandato de um senador que entra em jogo, mas o papel de uma instituição. Diante disso, Renan, com seu brilho, seu talento, sua habilidade política, deveria pedir licença do Senado. Entregaria a presidência ao sucessor, teria todo o tempo do mundo para preparar uma explicação – uma só – e evitaria que o Senado perdesse o que ainda lhe resta de credibilidade e respeito. Vamos lá, Renan, salve o Senado!