Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 30, 2007

Dora Kramer, Armação ilimitada

dora.kramer@grupoestado.com.br

Se as maçãs não contaminadas da caixa podre da qual, do centro da Praça dos Três Poderes, exala o odor a que se referiu o senador Jarbas Vasconcelos não compreenderem o sentido do prudente alerta feito por ele, se as consciências ainda sãs não reagirem de alguma maneira à armação ilimitada dos engenheiros do abafa, o Senado deixará de ser conhecido como um colégio de tolerantes senhores para receber na testa o carimbo indelével de casa de tolerância repleta de senhores sem compostura.

Não se pode exigir do brasileiro orgulho para com o seu país se o Legislativo é legislador de causas próprias, o Executivo é executor de salvaguardas para indecências e o Judiciário é percebido como julgador sem eficiência.

O novo presidente do Conselho de Ética, senador Leomar Quintanilha - alvo de investigação no próprio Supremo por corrupção, por denúncia do Ministério Público -, alega a necessidade de fazer “consultas jurídicas” ao departamento competente do Senado antes de dar prosseguimento ao processo paralisado desde que a tropa do presidente resolveu adotar a procrastinação como arma de defesa.

Por “consultas jurídicas”, entenda-se a arquitetura de algum parecer para sustentar o envio da representação do PSOL por quebra de decoro parlamentar ao Supremo Tribunal Federal ou a apresentação de algum óbice técnico - como a ausência de manifestação de admissibilidade da abertura do processo por parte da Mesa Diretora -, nesta altura já superado pela dinâmica dos fatos.

A Polícia Federal, segundo avaliação de um ministro do Supremo, não poderia mesmo ter feito a perícia nos documentos apresentados pelo senador, pois é polícia judiciária e não há processo criminal em curso.

Isso pode ser usado agora para retirar o trabalho já iniciado do processo e tirar a PF de cena. Mas o ato não anula os efeitos produzidos pelos indícios já encontrados nem impede que, rapidamente, seja contratada uma perícia de fora. No caso do senador Luiz Estevão, cassado, foi feito assim.

O problema é que tanto a admissibilidade para abertura do processo por quebra de decoro como a contratação da perícia dependem de autorização da Mesa presidida pelo acusado.

Sobre o recurso ao STF, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, já deu opinião: “A falta de decoro é questão interna e deve ser resolvida única e exclusivamente no Parlamento.”

Mas o Parlamento não tomou ainda a decisão firme de resolver. Segue a reboque do presidente do Senado por receio dos desdobramentos políticos (o destino da aliança PT-PMDB, por exemplo) e espírito de corpo.

Muitos acreditam que, parados, obedecendo ao padrão Lula de enfrentamento de crises - resistir e esperar o tempo passar -, estão se prevenindo contra a atuação da “imprensa opressiva” e dando combate ao “denuncismo”, enquanto estão apenas ignorando a essência das denúncias e recebendo, por isso, a condenação pública.

Associam-se ao auto-engano do presidente do Senado e do senador Joaquim Roriz. Ambos invocaram nos últimos dias o exemplo do presidente Lula, reconduzido ao posto com todas as honras por parte do eleitorado depois de enfrentar escândalos em série e dar repetidas demonstrações de inépcia administrativa.

Abstraindo-se todas as circunstâncias já examinadas sobre as razões do personalíssimo sucesso de Lula, diferença crucial se impõe entre as situações: o presidente da República não foi flagrado em conversas telefônicas combinando partilhas de dinheiro, não foi pego em fraudes documentais nem foi alvo de processos de investigações.

Se esteve no centro de episódios que até justificariam ações investigatórias, trata-se de uma outra história que, por obra de um consenso nacional, ficará a cargo do julgamento da História.

Renan e Roriz tentam fazer de seus problemas uma questão institucional. O presidente do Senado convoca o Legislativo a reagir e, examinando as coisas pela ótica de sua personalidade, até compreende-se a manobra. Incompreensível, porém, é o Senado aceitar a participação nas chicanas, absorvendo como natural a adoção do rito conforme as regras impostas pelo acusado.

Não obstante a reação contrária de alguns poucos senadores - vale nominar Jefferson Peres (por sinal ausente da sessão de eleição de Leomar Quintanilha), Demóstenes Torres, Jarbas Vasconcelos, Renato Casagrande e Pedro Simon (sumido, aliás) -, as urdiduras prosperam sem contestação eficaz.

Da tribuna, Joaquim Roriz clamou em protesto: “A que ponto chegamos!”

Ao ponto de exaustão é a única resposta possível. A ponto de o senador Demóstenes Torres, ao comentar a acusação que pesa sobre o novo presidente do Conselho de Ética, render-se ante a mais cruel das evidências: “É absurdamente incompatível, mas não dá para tirá-lo, vai atrasar tudo ainda mais. Se ele ficar, estamos no lucro.”

Quando o prejuízo é lucro na comparação entre malfeitorias, é sinal de que chegou-se ao fundo do fosso. Ou da fossa.

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