Suely Caldas*
Cinco meses depois, o governo Lula parece ter desistido e sepultado a idéia de “transformar a Eletrobrás na Petrobrás do setor elétrico”, uma empresa gigante, eficiente, respeitada, com investimentos bilionários e tecnicamente capacitada a impedir o apagão previsto para depois de 2008 e equacionar definitivamente os enormes imbróglios que há muitos anos vive o sistema elétrico brasileiro.
A idéia foi lançada juntamente com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 22 de janeiro deste ano, e desde então o governo Lula não foi capaz de encontrar pessoas com capacidade técnica e gerencial para os cargos de presidente e diretor financeiro da Eletrobrás, vagos há mais de seis meses e ocupados por interinos. Nesse período o titular do Ministério de Minas e Energia, Silas Rondeau, também perdeu o posto, envolvido em denúncias de corrupção, e foi substituído por outro interino. A interinidade e todos os problemas que dela decorrem (falta de poder, ação e decisão, paralisação da empresa) parecem ser a sina do setor elétrico estatal neste governo Lula.
Não foi por falta de esforço. Por intermédio do ex-ministro Silas Rondeau, o governo procurou insistentemente um nome tecnicamente capacitado e respeitado no mercado para presidir a Eletrobrás, mas tem esbarrado na recusa dos escolhidos. José Luiz Alqueres, presidente da Light, José Mário Abdo, ex-diretor geral da Aneel e hoje proprietário de uma empresa de consultoria na área, e Eduardo Bernini, atual presidente do grupo AES no Brasil, foram convidados e, com diplomacia, recusaram, não se sentiram atraídos pela idéia.
Os motivos dos três executivos não foram de ordem político-ideológica, nada contra Lula e seu governo. O problema é bem diferente e tem tudo que ver com o que já se tornou um pernicioso vício do estilo Lula de governar: submeter ações e decisões econômicas importantes e carentes de aplicação de critérios eminentemente técnicos a práticas e instâncias políticas, partidárias e fisiológicas. No setor elétrico, o estilo Lula assim se reflete:
Tem eficácia zero dar uma coloração de respeito e competência ao cargo de presidente se as diretorias da Eletrobrás e subsidiárias (Furnas, Chesf e Eletronorte) continuam loteadas, são verdadeiras tribos dos partidos políticos da base do governo, ocupadas por pessoas que ali estão para servir aos partidos que os indicaram, não ao País, como mostraram recentes escândalos em empresas estatais. De tão inexpressivos e desconhecidos no meio, é comum os diretores dessas empresas serem identificados não pelo nome, mas pelos padrinhos famosos que os indicaram. Eletronorte e Chesf são feudos de políticos sob a liderança do deputado Jader Barbalho e dos senadores José Sarney e Renan Calheiros (os três do PMDB).
Fazer da Eletrobrás uma Petrobrás implica construir uma empresa de capital público inserida no mercado de capitais, financiar seus investimentos com recursos de um número crescente de novos acionistas. Quem arrisca aplicar dinheiro em ações de uma empresa sem transparência e nenhum critério de boa governança? Se se desconhece completamente o que se passa no cotidiano das três subsidiárias, verdadeiras caixas-pretas, como convencer o investidor a apostar na Eletrobrás? O mercado vê com seriedade uma empresa que há mais de seis meses não tem presidente nem diretor financeiro, dois cargos estratégicos? E que absorve enormes prejuízos de seis distribuidoras de energia estaduais federalizadas, sem chance de uma solução racional, porque o governo se nega a privatizá-las por motivos ideológicos?
Não é impossível fazer da Eletrobrás uma empresa modelo, gigante, eficiente, capaz de afastar o fantasma do apagão, como propõe Lula. Hoje, porém, é um projeto condenado ao fracasso, porque implica condições muito objetivas que, politicamente, o governo se recusa a assumir.
Entregue ao PFL, o tratamento político-partidário que recebeu o setor elétrico na gestão FHC resultou no apagão de 2001. Lula só foi diferente na multiplicação de partidos que povoam as empresas elétricas. Por enquanto ele contou com a sorte das chuvas. Mas essa história tem todos os ingredientes para uma reprise.