Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, junho 19, 2007

Arnaldo Jabor - Há uma revolução dentro da corrupção




O Globo
19/6/2007

O destino do país é ser grande "PMDB sem moral"

"Não! Não escreverei sobre a maré de horrores que Brasília nos envia, como um leite envenenado a cada dia!" - berro para mim mesmo como uma prima-dona gorda e cheia de varizes, como um canastrão de melodrama. "Não, não mencionarei a cara do Cafeteira falando ao telefone com a esposa, adiando o Conselho de Ética como a nova estratégia soprada pela dupla Renan/Sarney!" - juro de novo. "Não falarei das fazendas imaginárias liderando a farsa de Jucá/Sibá, não falarei dos açougues-fantasmas, dos cheques podres, dos recibos-laranjas, dos analfabetos desdentados e das velhas damas indignas dos matadouros de Maceió, não escreverei negativamente sobre tudo isso, não!"

É isso aí. Penso que é preciso ter ânimo! Não fraquejarei, apesar de me rondar a cava depressão ao ver que as tramóias e as patranhas de hoje são relaxadas, desmazeladas, sem mais receio algum da opinião publica. Agora, não há mais respeito não digo pela verdade; mas não há respeito nem mesmo pela mentira. Está em andamento uma clara "revolução dentro da corrupção", um "golpe marrom" sendo fabricado em Brasília, tudo na cara da população com o fito explícito de nos acostumar ao horror, como inevitável.

Com a morte do petismo romântico, com o derretimento do PSDB, o destino do país vai ser a ideologia escusa, sem moral, do peemedebismo que o lulismo favorece. Os sinais estão no ar. Nosso destino histórico é a maçaroca informe do PMDB. O objetivo dessa mixórdia é nos fazer descrentes de qualquer decência.

Mas não! Oh, Senhor! Não escreverei este artigo com um vezo negativo, tisnado de pessimismo! Não! O que acontece diante de nós não é totalmente ruim... Precisamos ver o que há de bom nessa bosta toda! Pensamentos positivos, amigo leitor! Avante, povo! Avante, racionalistas em pânico, honestos humilhados, esperançosos ofendidos! Esta depressão pode ser boa para nos despertar da letargia de 400 anos.

O país progride de lado, como um caranguejo mole das praias nordestinas. Nunca nossos vícios ficaram tão explícitos! Aprendemos a dura verdade neste rio sem foz, onde as fezes se acumulam sem escoamento. Finalmente, nossa crise endêmica está sujamente clara, em cima da mesa de dissecação, aberta ao meio como uma galinha. É um esplendoroso universo de fatos, de gestos, de caras. Meu Deus, que prodigiosa fartura de novidades sórdidas, tão fecundas como um adubo sagrado, tão belas quanto nossas matas, cachoeiras e flores. Que ostentações de pureza, angelitude, candor, para encobrir a impudicícia, o despudor, a bilontragem nas cumbucas, nos esgotos da alma... Ai, Jesus, que emocionantes os súbitos aumentos de patrimônio, declarações de renda falsas, carrões, iates, casas com piscinas em forma de vaginas, mandingas, despachos, as galinhas mortas na encruzilhada, o uísque caindo mal no Piantela e as barrigas murmurantes, as diarréias secretas, as flatulências fétidas no Senado, diante das evidências de crime, os arrotos nervosos, os vômitos, tudo compondo o grande painel barroco da nacionalidade.

E, no meio dessa imundície, esplende o sereno fulgor de Mônica Veloso, nossa bela Lewinsky, a gestante e amante, a Vênus onde a nacionalidade se espelha, de onde emanam as pensões em dinheiro vivo, o zelo do lobista, os halls de hotel, os passinhos servis na entrega dos envelopes, o rosto deprimido da esposa oficial no plenário, tudo mesclado num sarapatel: o amor, o sexo, as empreiteiras, o público e o privado... Que delícia, que doutorado sobre nós mesmos!

Céus, por isso é que sou otimista! É também nossa diplomação na cultura da sacanagem.

Já sabemos que a corrupção no país não é um "desvio" da norma, não é um pecado ou crime; é a norma mesmo, entranhada nos códigos, nas línguas, nas almas.

Aprendemos a mecânica da escrotidão: a técnica de roubar o Estado para fazer pontes para o nada, viadutos banguelas, estradas leprosas, hospitais cancerosos, esgotos à flor da pele, gonorréias e orgasmos entre empreiteiras e políticos. Já sabemos que não há solução. Querem nos acostumar a isso, mas, pode ser, (oh Deus!) que isso também seja bom: perder o auto-engano, a fé. Vamos descobrindo que temos de partir da insânia e não de um sonho de razão, de um desejo de harmonia que nunca chega.

Já se nos entranhou na cabeça, confusamente ainda, que o Estado patrimonialista, inchado, burocrático é que nos devora a vida. Durante quatro séculos, fomos carcomidos por capitanias, labirintos, autarquias. Enquanto houver 20 mil cargos de confiança no país, haverá canalhas, enquanto houver Estatais com caixa-preta, haverá canalhas, enquanto houver subsídios a fundo perdido, haverá canalhas. Com esse código penal, com esta estrutura judiciária, nunca haverá progresso. Já sabemos que, enquanto não desatracarmos os corpos públicos e privados, que enquanto não acabarem as emendas ao orçamento, as regras eleitorais vigentes, nada vai se resolver.

Já sabemos que mais de cinco bilhões por ano são pilhados das escolas, hospitais, estradas. Não adianta as CPIs punindo meia dúzia. A cada punição, outros nascerão mais fortes, como bactérias resistentes a antigas penicilinas. Temos de desinfetar seus ninhos, suas chocadeiras.

Descobrimos que a mentira é a regra geral que mantém as instituições em funcionamento.

Os canalhas são mais didáticos que os honestos. O canalha ensina mais. Temos tido uma psicanálise para o povo, um show de verdades pelo chorrilho de negaças, de "nuncas", de "jamais", de cínicos sorrisos e lágrimas de crocodilo. Nunca aprendemos tanto de cabeça para baixo. Ânimo, meu povo! O Brasil está evoluindo em marcha a ré! Os canalhas são a base da nacionalidade!

Hoje, aposto, o Renan deve ser absolvido... (eu vos escrevo do passado...) É bom mesmo. A esperança tem de ser extirpada como um furúnculo maligno.

Pelo escracho, entenderemos a beleza do que poderíamos ser!

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