Alberto Tamer*
A China confirmou um aumento de mais de 80% no superávit comercial de janeiro a maio deste ano, 75% só em maio, em comparação com o mesmo período de 2006, e foi um protesto e a gritaria geral. Neste ano, a China deverá registrar um superávit comercial entre US$ 285 bilhões e US$ 320 bilhões.
Os EUA, que lideravam a lista dos descontentes, recuaram um pouco, deixaram de criticar abertamente os chineses, procuraram aumentar suas exportações para compensar o déficit inevitável, tal a voracidade consumidora do seu povo. Agora, pretendem administrar o Congresso, que ameaça impor medidas legais e barreiras contra produtos chineses.
Nesta semana, o Tesouro americano recusou-se a aceitar a acusação de que a China estava fazendo manipulação cambial. O que existe, disse em nota oficial, é apenas um “desalinhamento” do yuan ante o dólar.
Os EUA não querem abrir uma nova frente de confronto com a China, acreditam que podem absorver o superávit comercial e compensá-lo com um aumento das exportações, que já são significativas, para outros países, principalmente do Leste Asiático.
Quanto ao Brasil, também não vamos muito bem. Aliás, vamos indo mal. O superávit comercial com a China de US$ 413 milhões em 2006 transformou-se num déficit de US$ 363,4 milhões até abril. E vem crescendo mensalmente, podendo chegar a US$ 2 bilhões no fim do ano. Temos contra nós o duplo efeito da valorização do real, contra o dólar e contra o yuan, que está, ele mesmo, fortemente desvalorizado em relação à moeda americana. Isso além da forte competitividade dos produtos chineses no mercado interno. Cerca de 95% de suas exportações para o Brasil são de produtos industriais e 60% das nossas exportações são de matéria-prima.
US$ 20 MILHÕES POR HORA!
Na semana passada, foi a vez de a União Européia assumir a liderança do bloco dos descontentes. Peter Mandelson, comissário comercial, foi a Pequim negociar não sabe bem o quê, e disse tudo que tinha direito. Foi até intencionalmente descortês, fazendo declarações duras poucas horas antes de avistar-se com o ministro do comércio chinês, Bo Xilai.
“Mas o déficit comercial da União Européia com a China aumenta US$ 20 milhões por hora! Isso não é sustentável, não pode continuar”, exclamou. Pretendemos recorrer à OMC com ações antidumping, se os chineses não fizerem nada. Estamos perdendo a paciência. A OMC registrou só no segundo trimestre do ano passado 36 ações antidumping contra a China. Estão por lá...
NÃO É MÃO-DE-OBRA, NÃO
Mandelson acertou em cheio ao desmistificar a tese de que a causa principal da explosão das exportações chinesas seja o baixo custo da mão-de-obra. “Isso é apenas uma parte. A outra são as barreiras e as restrições desnecessárias. Se a China quer manter um nível melhor nas nossas relações comerciais, terá de reconhecer a desconfiança que existe na Europa sobre essas políticas que restringem a entrada de companhias estrangeiras no país.”
Mais ainda, “a China não fez nenhum progresso, apesar da assinatura de um acordo, para restringir a pirataria e o desrespeito à propriedade intelectual”, atacou Mandelson, mesmo consciente da sua descortesia. Pouco lhe interessava a diplomacia, mas estava consciente também de que as armas da comunidade, exatamente como as do Brasil, eram insuficientes para curvar os chineses.
Neste caso, Europa e Brasil estão no mesmo lugar: desvantagem da moeda supervalorizada, custos mais elevados e, no nosso caso, onerados por juros altos e brutal carga tributária. Eles não podem mudar facilmente, pois são prisioneiros das regras da União Européia.
Nós, sim. E não será oferecendo, como agora, empréstimo a juros baixos para as empresas investirem. Incentivar empresas que estão perdendo mercado, muitas ameaçadas de fechar, a investir é o mesmo que dizer a um paciente a caminho da UTI que faça um cooper antes de se internar. Se fizer, morre. Ninguém investe quando as contas estão no vermelho.
NÃO VENDEMOS, VOCÊS É QUE COMPRAM
As autoridades chinesas continuam argumentando que não é culpa delas. Nós não vendemos, são vocês, europeus e americanos, que compram. Puro cinismo. O governo chinês esquece muito oportunamente que se europeus e americanos compram é porque o preço é menor, e só é menor por causa do yuan artificialmente valorizado.
Para Mandelson, é uma concorrência injusta, pois se baseia em subsídios enormes à produção e à exportação, que, somados à mão-de-obra fartamente disponível, às injeções financeiras do governo e ao câmbio, tornam impossível a competição nos mercados externo e interno.
VAI A US$ 300 BILHÕES
Enquanto isso, a China continua aumentando o seu superávit comercial, que não pára de crescer num movimento sem fim. Neste ano, ele poderá chegar a US$ 285 bilhões, 60% mais do que em 2006, prevê Song Guoqing, economista da Universidade de Pequim. Outros economistas não oficiais admitem que, a manter o crescimento mensal obtido de janeiro a maio, o superávit pode fechar em US$ 320 bilhões. O economista Shen Minggao, do Citigroup, em Berlim, estima que o superávit mensal deverá passar de US$ 22,45 bilhões, em maio, para US$ 30 bilhões, no segundo semestre. O governo não fez e não pretende fazer nada para conter as exportações, condição básica de sobrevivência econômica do país.
Curioso é que agora a preocupação crescente não é apenas dos países industrializados ocidentais (nós, no Brasil, continuamos calados), mas da Coréia do Sul e do Japão, pois esses países também estão perdendo mercado para os chineses. E dependem das exportações para crescer.
TOMA, QUE O PROBLEMA É SEU
Mandelson afirmou que a questão do superávit comercial não é mais econômica, é política, e para isso deve haver uma solução também política. Qual?
Ele deixa ao governo chinês a resposta, que não veio, nem virá, simplesmente porque isso não é problema dele. É dos outros. E não se abalou quando confrontado com um número que prova o seu altíssimo grau de protecionismo. Das 20 mil licenças concedidas na área de telecomunicações, apenas 6 foram para empresas estrangeiras!
Ainda aqui o argumento chinês é irrefutável. O país não precisa mais de investimento externo. Tem dinheiro em excesso, que até pressiona a cotação do yuan (muita moeda estrangeira, que precisa, em parte, ser transformada na moeda nacional), algo inaceitável. Por isso, não vai mudar. Não cederam aos EUA e não vão ceder, agora, aos europeus, nem cederão ao Brasil, se um dia nos dignarmos a pressioná-los, o que ninguém espera.
O caminho é ir à OMC, sem grande esperança de resultado prático em curto prazo, e intensificar a realização de acordos bilaterais para compensar o déficit comercial com a China. Esta, quando muito, vai atenuar fúrias, fazendo o que fez com os EUA. Comprou mais e investiu muito em fábricas de produtos industriais de ponta.
E aí voltamos ao velho refrão desta coluna. Se não podemos exportar mais e reduzir o déficit comercial que se avulta, porque não arrancar investimentos deles, por exemplo, para o etanol e outros projetos de produtos agropecuários e minerais dos quais eles estão famintos e sedentos? Pois é. Tão simples, mas tão difícil.
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