Houve quem estranhasse a afirmação feita sexta-feira nesta coluna de que o Banco Central dispõe de um mecanismo adicional para derrubar os juros. Consiste em manter a cotação do dólar onde está ou deixá-la resvalar ladeira abaixo. Para aumentar a eficácia da âncora cambial, basta que o Banco Central compre menos dólares do que vem comprando.
Um leitor reclamou: “O objetivo é derrubar os juros para provocar uma alta do câmbio e não promover a baixa do câmbio para derrubar os juros.”
A acumulação de reservas (compra de dólares) impede uma valorização maior do real e, nessas condições, trabalha contra a política de juros, porque inibe a ação do câmbio sobre os preços.
A novidade é que, pela primeira vez, o Banco Central reconhece que a âncora cambial está contribuindo mais para o achatamento interno dos preços do que seus dirigentes antes admitiam.
Esse mecanismo, que os técnicos chamam de pass through é fácil de entender. O dólar tem impacto sobre os preços tanto numa direção como na outra. O dólar em alta encarece os preços dos produtos importados e isso puxa para cima a inflação. Foi o que aconteceu em 2002, quando a cotação do dólar disparou (em setembro chegou a valer R$ 4) e, em seguida, a inflação deu uma esticada (subiu de 7,8% em 2001 para 12,5% em 2002).
Na baixa, acontece o inverso: o dólar mais barato derruba os preços dos produtos importados que, por sua vez, pelo aumento da concorrência, se encarregam de enquadrar os preços dos sucedâneos produzidos no mercado interno.
A Ata do Copom divulgada quinta-feira deixa claro que esse fator foi determinante na definição de um corte maior dos juros. Ficou subentendido que, se o Banco Central quiser, poderá derrubar mais rapidamente os juros se deixar que o dólar caia ainda mais.
Estamos há mais de 40 dias sem saber a quantas andam as reservas. Os dados conhecidos são de 2 de maio, quando estavam a US$ 122,4 bilhões. A greve dos funcionários do Banco Central impediu a atualização desse número. O mercado financeiro calcula que já estejam nos US$ 144 bilhões. Como as reservas estão aplicadas em títulos de países ricos, conclui-se que o Brasil, que tantos problemas teve com sua dívida externa nos anos 80 e 90, é credor líquido do resto do mundo ou está próximo disso.
A principal conseqüência desse fato é a de que fica muito perto o reconhecimento de grau de investimento para a dívida externa brasileira, o que elimina o risco de calote. Uma vez obtido esse status, a procura por títulos da dívida brasileira aumentará e mais dólares desembarcarão aqui para investimento porque as condições do País ficarão mais confiáveis.
O impacto desse fator sobre os juros internos será imediato. Mais dólares tenderão a aprofundar o que o Banco Central chamou de “disciplina exercida sobre os preços dos bens transacionáveis e por meio da ampliação dos investimentos”. E, obviamente, com o câmbio na mão, o Banco Central dispõe, em princípio, de mais um instrumento para derrubar os juros básicos (Selic).
Do ponto de vista de quem defende a derrubada dos juros para inverter a tendência do câmbio, não pode haver nada de errado em usar o câmbio para matar a inflação e, assim, criar condições para afundar os juros. É claro que o governo terá de neutralizar os efeitos colaterais, mas essa é outra história.