O Globo |
19/6/2007 |
A decisão do senador sem voto Sibá Machado de acumular a presidência do Conselho de Ética com a relatoria do processo contra o presidente do Senado, Renan Calheiros, é apenas mais um exemplo dos muitos procedimentos que podem ser legais, mas são reprováveis, adotados desde o início da crise em que o Senado está metido. Não é a primeira vez que o senador Sibá Machado, um desses políticos que chegam a postos relevantes mais pela sorte do que por méritos próprios, presta serviços relevantes ao governo. Sindicalista do meio rural, o máximo que havia tirado das urnas até o governo Lula havia sido uma primeira suplência de deputado estadual, ou a derrota na disputa pela Prefeitura de Plácido de Castro. Como secretário na gestão do governador Jorge Viana, assumiu a presidência do PT local, e acabou indicado como suplente da senadora Marina Silva, título que o levou, sem um voto sequer, diretamente das lutas regionais para o plenário do Senado Federal, com a nomeação de Marina para o Ministério do Meio Ambiente. Figura apenas folclórica nos primeiros debates, ganhou destaque com a atuação na CPI dos Correios em favor do governo, sem medir esforços. Sibá chegou a defender uma anistia ampla, geral e irrestrita aos "companheiros" petistas, extensiva aos não-petistas também envolvidos nos escândalos do mensalão e de utilização de caixa dois nas campanhas eleitorais. A tese de Sibá era de que o mensalão "não passou de uma mentira", e os políticos não podem ser responsabilizados pelo caixa dois: "Se a gente entender que a pessoa não fez nada de má-fé, foi induzida a praticar, aí nenhum pode ser cassado, porque todos estão na mesma situação". Os procedimentos adotados pela Comissão de Ética são, no mínimo, estranhos, a começar pelo fato de Renan ter se sentado na cadeira da presidência para fazer sua defesa, como se a acusação fosse contra o Senado, e não contra sua pessoa. Em vez de se afastar do cargo para não contaminar a instituição, o senador Renan Calheiros faz questão de se confundir com ela, a ponto de ter enviado uma assessora do Senado para ajudar o hoje "relator ad hoc" na presidência da Comissão de Ética. E não evitou chamar os senadores para uma reunião em seu gabinete de presidente do Senado, na manhã de sexta-feira, para mostrar-lhes novos documentos, antes mesmo que a comissão se reunisse, numa clara interferência no julgamento de seus pares que deveria ter sido rejeitada. O único senador que se recusou a comparecer a essa estranha reunião foi Jefferson Peres, do PDT, que deu um "voto em separado" na reunião do Conselho de Ética da última sexta-feira. Nele, adverte que, se não for esclarecida a relação do presidente do Senado com a empreiteira no tocante ao pagamento da pensão, "o arquivamento deste processo" pode significar o "sepultamento da credibilidade" do Senado. Peres não compareceu também à reunião de ontem, onde, com a aceitação de todos os senadores, o presidente da Comissão de Ética assumiu também a relatoria, devido ao pedido de licença do senador Epitácio Cafeteira. Peres fez bem em não comparecer, pois a reunião mais pareceu a de um clube fechado onde, com a honrosa exceção do senador Demóstenes Torres, todos se confraternizavam. O senador Almeida Lima, por exemplo, transformou-se no rei do "protesto a favor". Com sua veemência inútil, está sempre pronto a defender o senador Renan Calheiros, ora atacando a imprensa, ora "denunciando" a presença do advogado de Mônica Veloso na casa do Senador Epitácio Cafeteira. O que insinuava ser uma "tentativa de chantagem" não passava de um almoço com a presença de uma verdadeira multidão, e anterior à escolha do senador Cafeteira como relator do processo. O importante agora é mesmo a perícia, não apenas dos novos documentos apresentados pelo senador Renan Calheiros, como também dos antigos, que foram, pelo menos em parte, desqualificados com a reportagem do "Jornal Nacional", que mostrou que alguns deles são "frios", isto é, são de empresas inexistentes ou que não poderiam bancar os gastos registrados nas notas. O fato de o presidente do Senado ter apresentado, mais uma vez, uma nova versão, atribuindo a culpa pelas notas falsas a uma atravessadora alagoana, não significa que essa nova versão seja verdadeira. Somente uma auditoria independente poderia definir se toda essa papelada foi montada para justificar a existência do dinheiro que o senador Renan Calheiros deu para a pensão de sua filha fora do casamento, ou se representa negócios verdadeiros. Mas essa perícia não vai acontecer, pois não há tempo para isso. Ontem mesmo, o presidente-relator anunciou que espera receber o resultado da perícia hoje ao meio-dia, o que significaria que, num fim de semana e menos de dois dias úteis, os técnicos da Receita Federal e do Senado tiveram tempo para checar todos os dados, o que é humana e tecnicamente impossível. Contra a imensa cordialidade com que o senador Renan Calheiros está sendo tratado por seu pares, mesmo os mais críticos, como o senador Eduardo Suplicy, do PT, ou Pedro Simon, do PMDB, só há uma reação, a de deputados dos partidos PSOL, PPS e PV, que pretendem entrar com novos processos contra Renan Calheiros se o do Senado for arquivado, e prometem ir até o Supremo para conseguir uma investigação imparcial. O deputado Fernando Gabeira tocou na ferida: a perícia será uma farsa. |
Entrevista:O Estado inteligente
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