Depois de alardear o licenciamento compulsório
de um remédio antiaids, o governo negocia
com o fabricante a compra da versão líquida
do medicamento, indicada para crianças
Adriana Dias Lopes
Wilton Junior/AE |
Bebê portador do HIV: 70% das crianças brasileiras que têm o vírus são infectadas no parto |
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O Ministério da Saúde anunciou, na semana passada, a chegada ao Brasil do primeiro lote do genérico do anti-retroviral efavirenz, fabricado na Índia. O efavirenz é um dos principais medicamentos do coquetel antiaids distribuído gratuitamente a 75.000 doentes. A importação do genérico é fruto do licenciamento compulsório (quebra de patente, na prática) do remédio desenvolvido pelo laboratório americano Merck Sharp&Dohme. A medida foi objeto de grande estardalhaço. Sem nenhum barulho, no dia 18 de maio, duas semanas depois da quebra de patente, o governo teve de recorrer à Merck para reabastecer seus estoques de efavirenz líquido, usado no tratamento pediátrico da aids. Num fax da Subsecretaria de Assuntos Administrativos, o Ministério da Saúde solicitou a compra de 28 000 frascos do remédio em xarope. Essa quantidade é suficiente para atender, por um ano, 1 000 pacientes de até 12 anos portadores do vírus HIV. No Brasil, o número de crianças infectadas cai continuamente desde 2003 (veja o quadro abaixo). Cerca de 70% delas foram contaminadas durante o parto. Nenhuma companhia farmacêutica produz o anti-retroviral em xarope – a não ser a Merck. O primeiro lote, com 7.000 frascos, será entregue ao governo nos próximos trinta dias. O restante, em setembro, novembro e janeiro. Quando o estoque terminar, o contrato deverá ser renovado.
Daqui a alguns dias, o Ministério da Saúde assinará um contrato com o laboratório americano Abbott, fabricante do anti-retroviral Kaletra. O acordo prevê um desconto de 30% na compra do medicamento, o que representa uma economia de 10 milhões de dólares por ano. Resta a pergunta: por que não se celebrou um contrato semelhante com a Merck? Segundo o presidente da divisão latino-americana do laboratório, Tadeu Alves, também foi oferecido ao governo um desconto de 30% na venda do efavirenz. Além disso, a Merck sugeriu transferir a tecnologia de fabricação do remédio ao Brasil dois anos antes do fim da patente. O benefício financeiro, aliado ao industrial, seria maior do que o obtido com o licenciamento compulsório. Mas é o tipo de coisa que não rende manchetes.
Foto Russelkightley/SPL/Latin Stock |