Pesca predatória reduz os estoques do
atum-azul a 10% do que eram e os japoneses
temem pelo fim de seu prato predileto
Rosana Zakabi
AFP |
Funcionários do mercado Tsukiji, em Tóquio, inspecionam um lote de atum-azul: a espécie corre o risco de desaparecer |
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Nos últimos tempos, a pesca predatória nos oceanos reduziu o estoque de vários peixes de forma dramática. No Mediterrâneo, doze tipos de tubarão estão comercialmente esgotados. No Mar do Norte, o bacalhau praticamente desapareceu. Agora, a ameaça recai sobre um dos peixes mais apreciados do mundo, o atum-azul, cuja carne macia e saborosa – principalmente na região da barriga – é usada na confecção dos melhores sushis e sashimis. A pesca do atum-azul cresceu em proporção geométrica na década de 90, à medida que a culinária japonesa se popularizou na Europa e nos Estados Unidos. Para localizarem os cardumes e aumentarem o volume de captura do atum, empresas pesqueiras passaram a lançar mão de recursos tecnológicos como sonares, aviões de reconhecimento e satélites. Ao mesmo tempo, surgiram em vários países do Mediterrâneo as fazendas de cultivo do atum-azul, para onde são levados os cardumes, vivos, após a captura. Nelas, os peixes permanecem dentro de gaiolas, em processo de engorda, até atingir o peso ideal para ser abatidos e comercializados. Ocorre que a pesca em excesso não deixa tempo para que os estoques de atum-azul possam se renovar. Os exemplares da espécie levam uma década para se tornar aptos a procriar. Na maioria das vezes, são capturados muito antes disso.
As duas principais áreas de pesca do atum-azul são o Mediterrâneo e o Atlântico. Em ambas as regiões, estima-se que o estoque do peixe esteja hoje reduzido a 10% do que era em meados do século passado. Nos oceanos Pacífico e Índico, nos quais os japoneses tradicionalmente capturavam o atum-azul para uso doméstico, a espécie está quase extinta. Nas costas da Escandinávia, ela já desapareceu. Nas fazendas de cultivo, a quantidade de atum-azul estocada caiu 25% no ano passado em relação a 2005. Seis fazendas na Espanha tiveram de encerrar as operações por falta do peixe. No Japão, o atum-azul foi descoberto como ingrediente inigualável na composição de sushis no início dos anos 60, mas seu consumo explodiu no fim da década de 90. Segundo um estudo realizado pelo governo japonês em 2003, dois fatores contribuíram para isso: o aumento no número de mulheres que trabalham fora e no de pessoas que moram sozinhas. O levantamento mostrou que, entre os japoneses, os gastos com alimentos para preparar em casa caíram 30% na última década. Em compensação, o consumo de sushi em restaurantes fast-food aumentou 33% no mesmo período. Em supermercados e lojas de conveniência que vendem bandejas de sushis e sashimis prontos, o crescimento das vendas foi de 70%.
Kiyoshi Ota/Reuters |
Vendedores fatiam o atum-azul em mercado japonês |
O risco de faltar atum-azul tem deixado os japoneses alarmados. Eles consomem um quarto de todos os exemplares da espécie pescados no mundo e a consideram uma instituição cultural do país. "Sushi sem atum não é sushi", diz Tadashi Yamagata, vice-presidente do sindicato de sushimen do Japão. "É como se os Estados Unidos ficassem sem hambúrguer", ele compara. Nos últimos meses, o preço do quilo de atum disparou no mercado japonês. O peixe já custa 30% mais do que há um ano. Para a preparação dos sushis, muitos restaurantes japoneses passaram a usar ingredientes alternativos como abacate e cream cheese – este bastante utilizado nos Estados Unidos. Numa medida mais drástica, os chefs estudam trocar atum por carne de cervo defumada e por carne de cavalo crua. "Já experimentamos fazer sushi com carne de cavalo no passado e deu certo", diz Shigezaku Ozoe, dono do restaurante Fukuzushi, em Tóquio. "É uma carne macia, fácil de morder e que não tem cheiro. Se o pior acontecer, poderemos tentar utilizar essas carnes em substituição ao atum", diz Ozoe. Enquanto os japoneses antevêem a perspectiva de faltar atum-azul em suas mesas, o Brasil não tem com que se preocupar. Os restaurantes japoneses no país usam outros três tipos de atum, o albacora-de-laje, o albacora-bandolim e o popular atum-branco, o mais encontrado em feiras e supermercados. "Há fartos cardumes dessas espécies nas regiões Sudeste e Sul do país, em alto-mar", informa Alberto Ferreira de Amorim, professor de biologia marinha do Instituto de Pesca do Estado de São Paulo.
Em 2002, a Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico (ICCAT), que estipula regras para a pesca do atum-azul, determinou que a indústria pesqueira não poderia capturar mais do que 32.000 toneladas da espécie no Atlântico e no Mediterrâneo por ano. Segundo as entidades ambientalistas, essa cota não foi respeitada. Estima-se que, nos últimos dois anos, o total de atum capturado tenha superado o limite estabelecido pela entidade em 40%. Em novembro do ano passado, o ICCAT reduziu ainda mais o limite na tentativa de frear a pesca em excesso. Até 2010, só será permitido pescar 25.500 toneladas anuais. Como parte do plano de recuperação dos cardumes de atum-azul nos oceanos, a União Européia decidiu no mês passado colocar inspetores nas áreas de pesca, para evitar os abusos. Os países europeus também prometeram banir a utilização de aviões localizadores na pesca do atum. Segundo os ambientalistas, essas medidas não vão resolver o problema. Diz Sergi Tudela, que comanda um programa de pesca do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) no Mediterrâneo: "As medidas não promovem um plano de recuperação, são apenas um paliativo. O colapso do atum-azul parece inevitável".
Montagem sobre fotos J. Miranda e Eduardo Pozella |