EDITORIAL |
O Globo |
3/4/2007 |
A volta do caos aos aeroportos, por causa de um motim iniciado na sexta-feira por controladores de vôo em Brasília, todos militares, emparedou o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, levou-o a se curvar à chantagem dos grevistas e a patrocinar a ruptura da hierarquia militar, numa crise de proporções ainda não definidas. Até agora foram seis meses em que a rebelião de um grupo de sargentos da Aeronáutica, deflagrada a partir da queda do Boeing da Gol, no final de setembro, só fez se agravar, sem que o ministro da Defesa, Waldir Pires, conseguisse administrar minimamente o problema, tampouco os altos escalões do governo. Tanto que, na confusão do final de semana, teve de ser o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, o canal de contato com os rebelados, cabendo ao presidente da República a desastrada intervenção por telefone, enquanto viajava para Washington, para ordenar o recuo do comando da Aeronáutica na decisão de punir os amotinados com prisão. Pode-se argumentar, em defesa do governo, que ele não tinha alternativa. Porém, foi a incapacidade de debelar a crise logo de início que estreitou sua margem de manobra. Há, nesse caso, algumas das mazelas típicas do governo Lula. Imprevidência e descaso com investimentos na infra-estrutura são uma delas. Quem é obrigado a acompanhar a aviação de perto - como a Anac e a Infraero - deveria saber que um setor que crescia a taxas bastante elevadas mais cedo ou mais tarde esbarraria em obstáculos como aeroportos saturados, equipamentos de proteção ao vôo defasados e falta de pessoal qualificado para controlar um tráfego crescente de aviões. O inquérito sobre a queda do avião da Gol ainda não foi fechado, mas provavelmente concluirá, como em muitos desastres aéreos, que houve causas múltiplas, entre falhas de equipamento e erros humanos. O acidente serviu para mostrar que os controladores trabalhavam além do limite do razoável e eram obrigados a operar equipamentos pouco confiáveis. Outro aspecto da crise - também uma particularidade do governo Lula - é a dificuldade de Brasília fazer cumprir leis e normas quando sindicatos e os chamados movimentos sociais cometem flagrantes delitos. Por motivação ideológica, infundida por representantes de sindicatos e desses movimentos espalhados nos mais diversos escalões dentro da máquina pública, o governo Lula costuma ser condescendente com atos ilegais patrocinados por aliados políticos. Invasões de terras, de escritórios do Incra, greves selvagens no setor público e outros crimes são recebidos com perigosa leniência. Logo na eclosão do problema com os controladores de vôo, esse viés sindicalista do governo Lula o fez intervir de forma açodada na crise, atropelando o comando da Aeronáutica e dando ao movimento dos sargentos grande fôlego. Ao deixar que sindicalistas participassem de uma reunião com os rebelados, estes sentiram que havia espaço para avançar. E avançaram. A centelha do motim de sexta-feira foi a transferência do sargento Edileuso Cavalcante, diretor da associação dos controladores de vôo, de Brasília para a base aérea de Santa Maria, no Sul. Aeroportos de grande movimento começaram a ser sucessivamente fechados. Iniciava-se o drama de milhares de pessoas, obrigadas a pernoitar em aeroportos sem assistência da Infraero e das companhias aéreas. A capitulação incondicional de Lula - a que se seguiu a decisão acertada da Aeronáutica de não mais comandar os controladores - certamente ainda provocará muitas dores de cabeça ao próprio governo, às empresas e aos passageiros. O movimento, com razão, acha-se agora em condições de efetivamente parar o país, afetar a economia, dificultar o expediente no Congresso, infernizar milhares de pessoas. Tudo isso impunemente. Pode-se imaginar, ainda, com que confiança os sindicalistas da Polícia Federal se preparam para deflagrar seu movimento grevista. Ora, se a única alternativa era a privatização do serviço de controle de vôos, para que os operadores de torres, radares e rádios pudessem ter um plano de cargos e salários flexível, fora das limitações estabelecidas pela hierarquia militar, isto deveria ter começado a ser planejado há mais tempo. Mas, não. Em sua proverbial incapacidade de administrar, o governo adiou indefinidamente esse desfecho, que parecia inevitável, até a crise explodir e afetar o próprio princípio de hierarquia militar. Felizmente, o país tem estabilidade política e instituições razoavelmente sólidas para absorver o impacto político do motim. A defesa da linha de comando na Aeronáutica fica por conta do Ministério Público Militar, a quem cabe investigar as responsabilidades pelo motim. Não importa se o presidente capitulou. O MP, por ser independente do Estado, age, nessas circunstâncias, em defesa da sociedade. E é importante definir culpas e sanções. O governo também precisa agir. Não só para encerrar de vez este episódio, definindo um cronograma transparente e factível da transferência dos controladores para um organismo civil, mas também para, com rapidez, remeter ao Congresso um projeto de regulamentação da greve de servidores públicos em setores essenciais, com as devidas punições para movimentos como o que ocorre no tráfego aéreo. |
Entrevista:O Estado inteligente
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