Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 03, 2007

Míriam Leitão - Descontrole aéreo

Míriam Leitão - Descontrole aéreo

PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
3/4/2007

A visão dos militares é a seguinte: no momento exato em que o governo se comprometeu a não punir os controladores de vôo, o assunto extrapolou a Aeronáutica. Era a hierarquia das Forças Armadas, o regulamento militar, o Código Penal e o papel do Ministério Público Militar que estavam sendo afetados, disse-me um alto oficial das Forças Armadas.

A desmilitarização do controle aéreo pode até ajudar a tirar o governo do córner, mas a crise já se aprofundou demais. No início, eram os baixos salários dos controladores militares. O governo pensou em dar aumentos. Mas descobriu que, pelo efeito cascata, isso iria custar R$1 bilhão.

Ontem, as declarações do ministro Celso de Mello abriram um outro flanco: o das indenizações da União aos prejudicados. O ministro do Supremo que terá que decidir sobre a CPI do Apagão afirmou que o que os controladores fizeram foi crime e "vai gerar, sim, o dever da União de indenizar os passageiros, inclusive por danos materiais e morais". Primeira conclusão: isso pode virar outro esqueleto. Segunda: a CPI está mais perto.

Uma fonte do Supremo me disse que a tendência é repetir o entendimento que houve na CPI dos Bingos:

- As CPIs são instrumento institucionais postos à disposição da minoria, e a maioria não pode, por manobra, impedir que elas ocorram.

Ao longo do mês de abril será conhecido o voto do ministro Celso de Mello, e o assunto irá a plenário no STF. Será mais um desdobramento dessa crise.

O projeto de rever os salários foi engavetado, e nenhum outro foi posto no lugar. O governo passou então a acreditar que a crise havia desaparecido.

- A crise em si, que afeta o país, as pessoas e a economia, está em curso - contou-me um oficial.

Para desmilitarizar o controle aéreo, o governo tem que evitar que os passageiros brasileiros virem reféns dos controladores. O governo errou muito ao longo desse tormento de seis meses. Mas talvez o mais emblemático dos erros tenha sido a não-demissão do ministro Waldir Pires logo no início. É emblemático porque mostra como pensa o presidente da República: para não sacrificar o amigo, prefere sacrificar o país que governa. As limitações do ministro da Defesa ficaram evidentes desde o início.

O governo montou um gabinete de crise, e a crise engoliu o gabinete. Os colapsos vêm em ondas e não estão restritos ao controle aéreo. Há regulação malfeita, mau funcionamento da agência, necessidade de novos equipamentos, insuficiência das companhias aéreas para atender ao fluxo crescente de passageiros, erros da Infraero. Há uma crise grave, complexa, profunda.

Uma das táticas gerenciais do governo foi montar uma "Sala da Situação". E, na sala, ninguém viu a situação. O fato de o colapso da sexta-feira ter encontrado a Anac dançando na Bahia, o ministro da Defesa no Rio e a ministra da Casa Civil em Porto Alegre é um sinal de que nada vinha sendo monitorado. Foi surpresa para todos, mesmo que a crise já dure seis meses. O pior é a Anac: agências devem ser independentes e seus integrantes precisam entender o assunto. A cena do aéreo diretor Leur Lomanto ao lado da diretora Denise Abreu pilotando descontraída um charuto é o retrato do indevido.

A reação sindicalista do presidente da República, desautorizando os chefes militares, agravou muito o problema.

- O Ministério Público Militar agora abriu um IPM. Sem isso, essa crise teria conseqüências imprevisíveis - comentou uma fonte militar.

A crise não é apenas salarial. É logística, administrativa, regulatória, de governança - especialistas já deveriam ter desenhado soluções e alternativas. Tem um componente que é o mau funcionamento das empresas aéreas; elas estão protegidas pela reserva de mercado.

O custo da crise tem sido imenso para o país. O impagável foi o das vidas humanas na queda do avião da Gol. Mas há um custo do tempo perdido pelos milhões de passageiros que, nestes seis meses, perderam horas, paciência, compromissos, reuniões, encontros familiares, férias, planos e negócios no transporte aéreo de passageiros em colapso.

Há o estrago na imagem do país. Só o fato de sexta-feira, quando as companhias americanas se recusavam a voar para cá, já transmite a informação de que o Brasil desorganizado deve ser evitado pelo turista e pelo investidor. O custo dos negócios não feitos, dos turistas que não vieram, das reuniões canceladas, dos eventos adiados não é fácil de calcular. Nos últimos anos, para evitar os portos, muita exportação passou a usar os aviões. Com a crise, qual é a saída? Certamente, não é um novo erro: entregar também os portos, em colapso, à barganha política. Logística é visão integrada.

Há o estresse psicológico enfrentado por passageiros que voam em aviões sem saber se eles estão em boas condições de manutenção, em companhias que estão sobrecarregadas e insuficientes para a demanda, usando os serviços de controle aéreo em que controladores avisam: "Não confiamos nos equipamentos, não confiamos nos nossos comandantes."

Por que continuamos voando em situação tão precária e desgastante? Porque não temos outra saída. Por que o governo não enfrenta a crise como deve? Por incompetência.

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