Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 08, 2006

Sobre a privatização do BB e de outras estatais

Mailson da Nóbrega

Meu artigo de domingo passado deu o que falar. Mexi em um vespeiro ao levantar a idéia de privatização do Banco do Brasil, mesmo com a ressalva de que se tratava de mera utopia. Recebi elogios, mas também inúmeros e-mails indelicados e insultuosos. Pior, o jornal alterou o título - 'O futuro do Banco do Brasil' para 'O fundo do BB' -, o que lhe mudou o sentido e ajudou a criar o clima de conspiração. O blog do Noblat, que publica simultaneamente o artigo, manteve o título original.

Para irados missivistas, eu estaria defendendo a entrega do patrimônio da Nação a bancos privados, tal qual teria ocorrido na privatização de estatais como a Vale do Rio Doce. Recorreu-se à linguagem agressiva da época (1984) em que liderei os estudos que culminaram na extinção da 'conta de movimento', pela qual o BB tinha acesso ilimitado aos recursos do Tesouro. Uma campanha insidiosa me atribuiu então o epíteto de 'inimigo público nº 1 do BB'.

A medida é hoje considerada o ponto inicial da maior evolução institucional das finanças públicas federais.

O banco ganhou, pois saiu da acomodação derivada daquele arranjo institucional, mas ainda se acha que o objetivo era destruí-lo.

Ser contra a privatização não é privilégio dos que me enviaram e-mails. Vários estudos mostram uma maioria favorável ao controle, pelo governo, de vastos segmentos da economia, particularmente os 'estratégicos', seja lá o que isso signifique.

Três razões podem explicar essa cultura. A primeira deriva das origens ibéricas da nossa formação. Portugal e Espanha se tornaram potências entre os séculos 15 e 17 graças às conquistas ultramarinas viabilizadas pelo centralismo dos reis absolutos. A atividade econômica básica era exclusividade da coroa. As instituições capitalistas, que transfeririam o cetro de potência para a Holanda, a Inglaterra e os Estados Unidos nos três séculos seguintes, somente chegariam àqueles dois países no fim do século 20.

A segunda está na justificativa para a ação do Estado nos estágios iniciais do desenvolvimento. O êxito da industrialização da Inglaterra estimulou outros países europeus a seguir-lhe o passo. Como não possuíam as mesmas condições institucionais, recorreram a substitutos estatais, como mostram os estudos de Alexander Gerschenkron. A Alemanha e a França utilizaram o dirigismo, bem como bancos e outras empresas estatais. Depois da 2.ª Guerra, teorias do desenvolvimento defenderam o mesmo para os países pobres, incluindo o fechamento da economia para proteger a chamada indústria nascente.

A terceira é uma mistura de ideologia e nacionalismo. Os comunistas apoiaram o dirigismo de Vargas, o precursor do nacional-desenvolvimentismo, porque se coadunava com seus ideais. A esquerda, que confundiu keynesianismo com 'desenvolvimentismo', foi partidária entusiasmada.

Os militares viam na intervenção estatal o caminho para viabilizar a produção doméstica de aço e equipamentos militares, tidos como essenciais para a defesa e para fazer do Brasil uma potência. O ideário coincidiu com as estratégias de substituição de importações da Cepal nos anos 50.

Embora essas idéias sejam de uma época e o nacional-desenvolvimentismo tenha-se esgotado, deixando na sua esteira as bases do processo hiperinflacionário e a maior desigualdade social do planeta, seus pressupostos ainda têm incontáveis adeptos no Brasil.

Em um país no qual o lucro continua sendo visto com suspeição, é óbvio que a privatização não terá aceitação como a dos britânicos a partir dos anos 80. Mesmo que a venda de nossas estatais tenha sido transparente e exibido erros menores do que os observados em países como o México e o próprio Reino Unido, até hoje se questiona o valor pelo qual elas foram compradas e se duvida da honestidade do processo. O termo 'privataria' entrou no nosso imaginário e na linguagem da esquerda do PT e de tantos quantos se opõem à privatização.

Um grande contingente acredita que as estatais podem promover o desenvolvimento sem preocupar-se com o lucro. Por isso, falar em privatização do Banco do Brasil é como sugerir que ele seja vendido a bancos que agem ao contrário, isto é, querem o lucro, mas não ligam para o desenvolvimento.

No próximo domingo, tentarei mostrar a falácia desse e de outros raciocínios sobre as empresas estatais.

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