Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 21, 2006

Salto na reta final


A poucos dias da eleição, Lula cresce
e consegue atrair o voto até de quem
escolheu Alckmin no primeiro turno


Otávio Cabral


O resultado do primeiro turno das eleições presidenciais sugeria uma acirrada e imprevisível disputa no segundo turno entre o presidente Lula e o tucano Geraldo Alckmin. Os números divulgados na semana passada pelos três maiores e mais importantes institutos de pesquisa do país mostram que a eleição do próximo domingo, ao contrário do que se imaginava, já tem um favorito absoluto. O presidente Lula aparece em todos os levantamentos muito à frente de seu adversário, com uma vantagem que oscila em torno dos 20 pontos porcentuais. Em votos, isso significa que Lula conseguiu reunir um contingente de 24 milhões de eleitores a mais que Alckmin. Em menos de duas semanas de campanha, entre os dias 6 e 17 de outubro, Lula ganhou 9 milhões de votos, o que significa uma captura de quase 1 milhão de votos por dia. É uma performance extraordinária para quem saiu do primeiro turno cambaleando no escândalo da compra do dossiê e também é surpreendente, já que nem o candidato nem os petistas deram, até hoje, uma única palavra sobre a origem da dinheirama apreendida pela polícia. As suspeitas que tiraram os votos de que Lula precisava para vencer no primeiro turno parecem ter sido neutralizadas na reta final de campanha. O eleitor aparentemente está sublimando a ética em nome de questões mais ligadas ao seu dia-a-dia, como emprego e estabilidade econômica. É nesse campo que Lula avança rumo à reeleição.

"O presidente cresceu em todas as faixas pesquisadas, até mesmo entre o eleitorado que votou em Alckmin no primeiro turno", explica o cientista político Mauro Paulino, diretor do Datafolha. Na última pesquisa do instituto, 9% dos entrevistados que votaram no tucano no primeiro turno disseram que votarão em Lula no próximo domingo. Isso quer dizer que, em quinze dias, 3,6 milhões de eleitores tucanos migraram para as hostes petistas. Como aparentemente não aconteceu nada que justificasse uma mudança de voto tão rápida, os especialistas acreditam que os eleitores estão escolhendo seu candidato com base em critérios distintos dos adotados no primeiro turno. "O eleitor médio não se importa tanto com corrupção. Prefere decidir com o bolso", arrisca o cientista político Murillo de Aragão, da consultoria Arko Advice. "Há uma sensação de conforto econômico, de bem-estar. A inflação baixa, o crédito consignado, o aumento do poder de compra geram um bom astral na sociedade, um clima favorável para a continuidade", analisa Rubens Figueiredo, cientista político da consultoria Cepac, de São Paulo. Alie-se a isso a tática terrorista da campanha petista que espalhou algumas invencionices sobre uma eventual vitória tucana, sobretudo em relação à privatização – boato ao qual, além de se fantasiar de estatais, Alckmin não soube responder, defendendo os inquestionáveis benefícios trazidos pelas privatizações.

Fabio Motta/AE
Alckmin precisa ganhar 2 milhões de votos por dia para chegar lá


As pesquisas indicam também que o avanço petista não acontece apenas entre os eleitores mais pobres. O crescimento das intenções de voto no presidente se deu em praticamente todos os segmentos da sociedade, mas há um perfil dominante do novo eleitor de Lula no segundo turno: ele é jovem, instruído e com renda acima de cinco salários mínimos. Hoje, de acordo com os levantamentos, Lula só perde para Geraldo Alckmin na Região Sul e entre os eleitores com renda maior que dez salários mínimos. Ainda assim, Lula, comparando-se os resultados do primeiro turno, vem crescendo nesses nichos tucanos. Na faixa de renda acima de dez salários mínimos ele subiu de 24% na primeira pesquisa do Datafolha no segundo turno para 38% na semana passada. Entre os eleitores com instrução superior, saltou de 35% para 41%. Entre os brasileiros de 25 a 34 anos, pulou de 49% para 58%. E na Região Sul o petista subiu 10 pontos porcentuais, de 33% para 43%. Essa rápida oscilação, segundo os especialistas, se deve basicamente à movimentação do chamado voto de protesto. "O não, encarnado por Alckmin no primeiro turno, teve 40 milhões de votos. Só que não eram votos dele, mas de pessoas que resolveram submeter Lula ao segundo turno. Agora, Lula está recuperando boa parte do eleitorado do não, graças aos números de seu governo e ao nivelamento por baixo da classe política", explica Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope.

A aparente anestesia dos eleitores diante da questão ética anulou a principal arma de ataque dos tucanos, pois Geraldo Alckmin se tornou um candidato "dossiê-dependente". Sem novidades substanciais no caso do dossiê, o tucano passou as últimas duas semanas enroscado na boataria petista. Espalhou-se que, se eleito, o tucano poderia privatizar estatais como Banco do Brasil, Caixa, Correios e Petrobras e promoveria cortes de despesas, aumentando o desemprego e diminuindo salários. Lula já foi alvo da mesma estratégia terrorista em pleitos passados, quando se dizia, entre outras coisas, que forçaria a classe média a partilhar seu apartamento com sem-teto. Com Alckmin, a estratégia parece ter sido bem-sucedida. O tucano passou a semana explicando que o suposto furor privatista era pura mentira. "Acho que erramos. Acabamos embarcando nesse debate não pelo mérito, mas pela mentira. É uma seqüência de coisas que não têm veracidade", lamentou o tucano. Alckmin também pecou pela falta de convicção demonstrada ao não defender as privatizações no governo de Fernando Henrique Cardoso. "Lula e seus asseclas desconstruíram a figura de Alckmin e deram o tom na campanha de que não há outra opção a não ser votar pela reeleição", diz o filósofo Roberto Romano, professor de ética da Unicamp.

O terrorismo eleitoral do PT desencadeou um inesperado efeito colateral na militância petista. Envergonhado com os sucessivos escândalos no governo, havia muito não era visto na rua aquele que sempre foi um dos motores eleitorais do partido – o cidadão com bandeira vermelha e estrela no peito que acredita ser o representante do bem na Terra. Pois ele voltou às ruas com disposição, pregando sobre o perigo de uma eventual volta ao passado e requentando a velha cantilena de que o mensalão e o dossiêgate são produto de uma conspiração das elites. "Cabeça de militante é como cabeça de militar. Repetem o que aprendem rápido e rasteiro para não pensar nem perder tempo. Os petistas acharam uma palavra de ordem no segundo turno e a repetem para salvar a cara", afirma Roberto Romano. Enquanto os petistas foram às ruas com euforia, a impressão que se tinha é que os tucanos começaram a jogar a toalha. No debate da semana passada, no SBT, Alckmin parecia acuado. Não era para menos. Os 19 pontos de desvantagem apontados pelo Datafolha na pesquisa divulgada na semana passada correspondem a cerca de 24 milhões de votos de diferença. O tucano precisa ganhar metade disso em uma semana para vencer a eleição. São quase 2 milhões de votos por dia.








Foto Ed Ferreira

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