Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 14, 2006

rhan Pamuk ganha o Prêmio Nobel de Literatura

Um raro acerto

Apesar de seus duvidosos
critérios políticos, neste ano
o Nobel premiou um bom escritor


Murad Sezer/AP
Orhan Pamuk, em Istambul: críticas ao genocídio de curdos e armênios quase o levaram à prisão

A Academia Sueca, que indica anualmente o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, nega qualquer motivação política em suas escolhas – mas ninguém acredita nessa proclamada pureza literária. O anúncio, na quinta-feira passada, de que o Nobel deste ano iria para Orhan Pamuk não causou nenhuma surpresa: o recente processo movido contra o escritor turco pelo governo de seu país levantou sua cotação como um dos favoritos para o prêmio. Pamuk foi acusado de denegrir a identidade turca ao lembrar, em uma entrevista, o genocídio de armênios praticado pela Turquia otomana durante a I Guerra Mundial. Desta vez, porém, o prêmio foi um duplo acerto. Pamuk é um excelente romancista – como o leitor brasileiro vai poder comprovar com Neve, uma de suas obras-primas, que chega às livrarias nas próximas semanas pela Companhia das Letras. E sua postura política também merece admiração. Ele é, sobretudo, defensor de um dos direitos humanos mais importantes para um escritor: a liberdade de expressão.

A história do prêmio é repleta de escolhas e exclusões duvidosas, nas quais se nota um favorecimento a esquerdistas como o irrelevante dramaturgo italiano Dario Fo. No ano passado, a distinção foi para o inglês Harold Pinter. Embora ele seja reconhecido como um bom dramaturgo, especula-se que Pinter só conquistou a simpatia dos suecos por causa de suas críticas furibundas à Guerra do Iraque (o jornal inglês The Guardian já lhe atribuiu declarações em defesa do genocida sérvio Slobodan Milosevic, mas a Academia preferiu ignorar esse detalhe). Pamuk, ao contrário, sempre se definiu como um escritor sem agenda política. "Sou essencialmente um homem solitário, que escreve romances", disse recentemente em uma entrevista ao jornal The New York Times. Em suas intervenções na vida pública, porém, ele tem se revelado um crítico vigoroso do obscurantismo. Em 1989, quando o aiatolá Khomeini, do Irã, conclamou seus seguidores a matar Salman Rushdie, autor do romance supostamente blasfemo Os Versos Satânicos, Pamuk foi o primeiro escritor do mundo muçulmano a declarar-se contra esse ato de barbárie. No ano passado, em uma entrevista a um jornal suíço, pronunciou-se contra o silêncio oficial que cerca o genocídio de armênios na I Guerra e a recente opressão aos curdos na Turquia: "Trinta mil curdos e 1 milhão de armênios foram mortos aqui, e, exceto por mim, ninguém ousa falar a respeito", disse. Foi ameaçado de prisão com base em uma lei que proíbe ataques à nacionalidade turca. O processo acabou sendo retirado neste ano, pois repercutiu muito mal na Europa justamente quando a Turquia pleiteia o ingresso na União Européia.

Aos 54 anos – relativamente jovem para um Nobel –, Pamuk é autor de uma obra vigorosa, na qual se revelam os dilemas morais e culturais da Turquia moderna, com destaque para a divisão entre a influência ocidental e o tradicionalismo religioso muçulmano. Admirador de William Faulkner (Nobel de 1949), ele diz perseguir a mesma linha do autor americano: dramas regionais desenvolvidos em uma prosa modernista, experimental. O autor de Meu Nome É Vermelho esteve no ano passado no Brasil, na Festa Literária Internacional de Parati – mas ainda é pouco lido no país. O Nobel acertou desta vez: está chamando a atenção para um escritor que merece ser lido.

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