O sucesso de Weeds, que retrata a vida
de uma traficante, confirma: as séries
americanas estão cada vez mais abusadas
Marcelo Marthe
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WEEDS (GNT) A ousadia: num subúrbio em que os desvios morais se escondem sob as aparências, uma dona-de-casa (Mary-Louise Parker) sustenta a família vendendo maconha – e isso é mostrado sem condenações |
Num episódio da série Weeds, a dona-de-casa Nancy (Mary-Louise Parker) descobre que seu filho adolescente anda consumindo ecstasy. Como manda o figurino, ela dá uma dura no garoto e o adverte sobre os perigos das drogas. O problema é que Nancy tem um amplo telhado de vidro. "Qual a sua autoridade para me criticar? Você pode não usar, mas vende drogas", retruca o rapaz. O diálogo expõe a condição da personagem. Ela é uma viúva e mãe como tantas outras do subúrbio conservador onde vive. Mas extrai o sustento da família de uma atividade ilícita – o tráfico de maconha. Weeds segue uma tendência em alta nos seriados americanos: a exploração de temas espinhosos e desvios de caráter. O público tem sido receptivo a atrações, digamos, abusadas como essa. Cada episódio de Weeds atrai quase 2 milhões de espectadores, índice respeitável para a TV a cabo nos Estados Unidos. É claro que muita gente preferirá manter distância dos temas e cenas vistos no seriado. Além disso, não custa lembrar, é recomendável que os pais fiquem atentos. Não à toa, o canal pago GNT exibe as aventuras de Nancy – que entram em sua segunda temporada a partir desta quinta-feira – quase à meia-noite.
Como notou certa vez o escritor checo Milan Kundera, a ficção é um terreno em que os julgamentos morais são suspensos. Pois bem: os seriados americanos estão levando esse preceito ao pé da letra ao debruçar-se sobre um amplo espectro de temas, das drogas ao sexo, da política à conduta pessoal. Mais que por tocar em pontos sensíveis, o que chama atenção neles é a ausência de condenações. Nancy é apresentada como uma heroína das mais simpáticas. Ainda que seja capaz de empunhar uma arma ou se prostituir para um chefão do tráfico apenas para quitar dívidas.
Um marco nesse tipo de abordagem foi o surgimento de Família Soprano, em 1999. O programa mostra um mafioso que tem inquietações como as de qualquer pessoa – transgredir a lei ou matar são só detalhes de sua rotina. Desde então, a TV foi invadida por uma leva de heróis sem caráter. O protagonista de 24 Horas é um agente que se vale de métodos nada ortodoxos para combater o terrorismo (a dubiedade, nesse caso, é um reflexo óbvio do estado de espírito americano depois dos atentados de 11 de setembro). Outro exemplo é o médico misantropo vivido pelo inglês Hugh Laurie em House. Abriu-se espaço, ainda, para séries que expõem sem pudor assuntos explosivos, como The L Word, que escancara a intimidade de um grupo de lésbicas, e Nip/Tuck, um retrato do mundo da cirurgia plástica carregado de libertinagem.
Uma explicação para o sucesso de Weeds é que, em vez de se identificarem com os personagens, os espectadores sentem alívio em constatar que suas vidas são bem menos periclitantes que as deles. A comédia oferece uma visão cáustica dos rincões suburbanos dos Estados Unidos. Por baixo da modorra desses locais, insinua-se, só há gente desajustada. O contador e sócio de Nancy no negócio das drogas é uma autoridade do lugarejo. Há ainda uma vizinha que faz a linha certinha, de quem a traficante tenta esconder seus esquemas. Mas Celia, a figura em questão, é uma mãe monstruosa que despreza a filha por ser gordinha – já foi capaz de pôr laxante em seu lanche escolar. De tão pressionada, a garota resolve viver uma relação lésbica com uma amiguinha. A atriz Elizabeth Perkins, aliás, está impagável no papel dessa mãe azeda. Só não rouba mais a cena porque o desempenho de Mary-Louise Parker não fica nada a lhe dever (ela inclusive ganhou o Globo de Ouro pelo papel). Nancy pode ser uma bandida. Mas tem carisma.
ELAS AVANÇAM O SINAL
Nas séries americanas, a subversão da moral e
dos costumes está em alta. Eis alguns exemplos
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FAMÍLIA SOPRANO (HBO)
A ousadia: oferece uma visão humanizada de um clã mafioso, para o qual o crime e a violência são tarefas casuais do dia-a-dia
HOUSE (Universal)
A ousadia: o protagonista é um médico misantropo que vê os pacientes como objetos de estudo. É, ainda, um viciado em remédios – e, quem sabe, drogas ilícitas
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24 HORAS (Fox)
A ousadia: em nome da guerra ao terrorismo, o agente Jack Bauer (Kiefer Sutherland) mata e tortura suspeitos – com a anuência do presidente americano
THE SHIELD (AXN)
A ousadia: o seriado policial tem como "heróis" tiras que matam sem prestar contas à Justiça e são coniventes com o tráfico de drogas e a corrupção
THE L WORD (Warner)
A ousadia: o lesbianismo é abordado sem meios-tons. Principalmente nas cenas de sexo, que são para lá de escancaradas
NIP/TUCK (FOX)
A ousadia: no drama sobre o mundo da cirurgia plástica, a moral sucumbe ao hedonismo e à libertinagem. O corpo humano é reduzido a uma dimensão patética: um amontoado de sangue, vísceras – e pelancas