A música pode não ser lá essas coisas, mas
eles reinam no palco. São os entertainers
Sérgio Martins
Eduardo Monteiro |
Robbie Williams no Rio: piadas e rebolado |
Na quarta-feira passada, o cantor inglês Robbie Williams se apresentou no Rio de Janeiro. Seus discos não são campeões de venda no Brasil. Suas músicas não são daquelas que, de tanto ser repetidas pelas rádios nacionais, já ficaram encravadas na memória dos ouvintes. Mesmo sem saberem todas as letras, no entanto, as 20.000 pessoas que assistiram ao show se esbaldaram. Williams fez gestos provocadores, rebolou, correu, ameaçou tirar a roupa. A certa altura, organizou um gigantesco karaokê. Conversou com o público entre uma canção e outra e fez piadas sem parar – muitas vezes dirigidas contra ele mesmo. Quatro dias antes, o americano David Lee Roth comandou um evento parecido em São Paulo. A platéia era formada por admiradores de heavy metal, que estavam lá para lembrar da época em que Roth era vocalista do grupo Van Halen. Mas eles se renderam ao lado debochado e espalhafatoso do cantor e o acompanharam, balançando os braços, na interpretação de Just a Gigolo, jazz dos anos 30 que ele regravou. Em CD, Roth e Williams podem ser banais. No palco é diferente. Seu objetivo é animar a festa.
Roth e Williams são entertainers. A palavra, que não tem equivalente em português, surgiu em inglês para designar uma categoria específica de artista itinerante, que exibia três características: humor, algum talento para o canto e a dança e comunicação direta com o público. Até hoje, são essas características que distinguem um "especialista em diversão" de artistas que podem ser bons mas não são entertainers. Tome-se o exemplo das duas maiores bandas de rock da atualidade, Rolling Stones e U2. A primeira, com Mick Jagger, tem um entertainer à sua frente; a segunda não. Não é que falte carisma a Bono Vox. Seu modo de comandar o espetáculo, no entanto, é mais o de um pregador. Bono não sobressai pela graça, e certamente não ficará na memória do rock por causa da ginga.
Um show do U2 pode ser memorável, mas não é exatamente divertido. Existem artistas que se situam ainda mais abaixo no termômetro do entretenimento. Um exemplo é a brasileira Marisa Monte. Marisa é uma cantora excelente, mas seus shows são tediosos. Não é ela quem agarra a platéia: é o espectador que precisa se manter concentrado para não se dispersar. Trata-se, sim, de uma deficiência. O talento para entreter tem algo de inato, mas também precisa ser cultivado. Mick Jagger, por exemplo, ficava estático no palco no começo da carreira. Precisou de uma bronca do empresário para perder o medo de rebolar e passar a mostrar a língua, escandalosamente, às moças na primeira fila da platéia.
Alguns tipos de música facilitam que se crie um clima de festa. Não é à toa que a melhor entertainer brasileira é Ivete Sangalo, uma especialista em música de Carnaval. Mas o seguinte axioma é válido para qualquer segmento do showbiz: um show e um disco são produtos diferentes; no primeiro, um grau de calor e surpresa é sempre necessário. Não por acaso muitas estrelas do pop transferem para a produção a tarefa de fazer com que seu show vá além da música. Exceto num caso como o de Madonna, que capricha nos adereços embora, a rigor, não precisasse, as coreografias complicadas e os efeitos cênicos estão lá para compensar qualquer déficit no hipotético "gene de entreter" do artista. Ainda que a farra esteja longe de ser o único motivo pelo qual pessoas saem de casa para ir a um espetáculo de música, o fato é que está para nascer quem recuse, numa noite de show, a oferta que cantores como Robbie Williams fazem, e que ele resumiu no título da canção Let Me Entertain You. Em outras palavras: "Deixe-me diverti-lo".