No calor da crise política, vale a pena
lembrar a veia poética de Tarso Genro
Jerônimo Teixeira
Dida Sampaio/AE |
Tarso Genro: ciscos no olho das gentes |
Tarso Genro, de 59 anos, ocupa um dos cargos mais difíceis de Brasília. Como ministro das Relações Institucionais, cabe a ele manter as articulações políticas de um governo imerso em uma crise sem fim. Além de trancar a defesa, ele ainda tem de se empenhar no ataque: na semana passada, por exemplo, comparava Geraldo Alckmin ao ditador chileno Augusto Pinochet. No meio da refrega, por que não lembrar o lado humano dessa fera política? Sob a retórica incisiva e o jargão legalista do ministro, pulsa um coração lírico. No Rio Grande do Sul, seu estado de origem, Genro publicou pelo menos três livros de versos. O site pessoal do ministro lista suas obras jurídicas e ideológicas, mas deixa de mencionar títulos como Luas em Pés de Barro, de 1977. É uma pena. Assim como os versos que o presidente João Figueiredo escreveu – é dele a rima "quem ouvir clarim tocar / tem que se exaltar" –, a poesia de Genro não merece o esquecimento.
A sua poesia, claro, é social. A orelha do livro – assinada pelo atual vice-governador do Rio Grande do Sul, Antônio Hohlfeldt, crítico generoso e por isso querido de todos os escritores gaúchos – assinala a dívida do poeta com Pablo Neruda, Federico García Lorca e João Cabral de Melo Neto. Heróis da independência latino-americana como Artigas e José Martí são lembrados em versos inflamados, e a degradação social do império ianque é denunciada com contundência: "No Harlem cinco baratas / passeiam em coxas negras". Nessas duas linhas já se vê quanto a lírica brasileira foi espoliada pela vocação ministerial. Genro não se detém na denúncia. Ele traça horizontes utópicos, com metáforas à la Pablo Neruda ("esmeraldas de vento"). Promete ainda "uma palavra que fique / nos olhos do povo / como sementes de trigo" ou como "pólen / nos olhos dos rapazes" – e é talvez nesse empenho apaixonado em obstruir a vista das gentes que o ofício do poeta e o trabalho do ministro se encontram.
O momento de maior delicadeza está nas Canções para Adormecer. O leitor pode admirar um excerto nesta página. Trata-se de um momento erótico, no qual o autor lamenta o sêmen que desperdiçou. Poeta de mão-cheia. A tradição do poeta-estadista, que vem de José Bonifácio, também encontra sua justa continuidade na lira filosófica do ministro: "Os meus cabelos claros / a dialética resolve". Evoé!
CONVERSA COM LAGARTOS
"A vovó Cacilda parecia uma patinha
e a vovó Julica elétrica e risonha conversava com lagartos"
"Quanto te esperei e quanto sêmen
inútil derramei até o momento"
"Em Cuba planta-se cana"
Trechos de poemas de Tarso Genro no livro Luas em Pés de Barro