Míriam Leitão - Usos e abusos |
Panorama Econômico |
O Globo |
6/10/2006 |
A campanha do presidente Lula fez dois movimentos esta semana: avisou que vai para a ofensiva no debate sobre ética e jogou todos os ministros e pessoas do governo na direção do mesmo objetivo; conseguir mais um mandato para o presidente Lula. Os ministros já não cuidam de seus afazeres: passam o dia em declarações que supostamente favorecem seu candidato. É um escárnio. Nunca se viu um uso tão descarado da máquina pública. Se até o ministro da Controladoria Geral da União, Jorge Hage, usa o carro oficial em atividade de campanha, o que se pode esperar? Cenas explícitas de confusão entre os interesses públicos e os assuntos partidários. O ministro Guido Mantega também está em campanha para sua manutenção no cargo, que é ameaçada por competidores internos. Por isso, quer ter uma lista de serviços prestados ao chefe. Apresenta um pacote atrás do outro, anuncia medidas ainda nem discutidas se elas forem populares, aceita a abertura dos cofres e faz críticas ao candidato adversário, pedindo solidez nas propostas econômicas tucanas. É curioso que isso venha de Mantega, que sustentava teses e defendia projetos totalmente diversos dos que se mostraram viáveis quando o PT chegou ao governo, ou, mais tarde, quando ele próprio chegou ao sonhado Ministério da Fazenda. O ministro deveria refrescar a memória com as idéias e programas que defendeu durante as campanhas das quais participou. Mas não é só Mantega que está em ação: o governo inteiro parece dedicado ao esforço de manutenção do emprego de todos por mais quatro anos. Por isso é digno de elogio que os mineiros Patrus Ananias, Walfrido dos Mares Guia e Hélio Costa estejam pensando em afastamento. Assim poderão se dedicar ao esforço da reeleição, sem conflito de interesses. Ministros no exercício do cargo são para servir ao contribuinte; se estão em campanha, deveriam trabalhar no comitê da reeleição. Lá, inclusive, há vagas agora, depois da saída de Jorge Lorenzetti e outros fabricantes do Dossiê Tabajara. O que esse afã ministerial na reeleição revela é como este governo ocupou todos os cargos com quadros políticos. A partidarização excessiva foi o primeiro erro do governo Lula, e seus malefícios ficaram demonstrados em inúmeras ocasiões. Basta ficar num caso recente: o do diretor de risco do Banco do Brasil, Expedito Veloso, cujo trabalho era ficar articulando pelos hotéis de Brasília e São Paulo conspirações ordinárias com bandidos. No mundo bancário, o cargo de gestor de risco se sofisticou de forma extraordinária nestes tempos dos fluxos globais. Os colegas de Expedito costumam dedicar seu tempo a complexas equações matemáticas. Ele se dedicava ao que se viu. O contra-ataque na ética que o governo vem anunciando é uma estratégia de campanha inteligente. Desde o início, esse tem sido o ponto fraco da candidatura à reeleição. Geraldo Alckmin e sua assessoria sustentavam que não era nesse campo que deveriam combater. Estavam errados. Quando o dossiê dos aloprados explodiu, o tema ficou inevitável e, por isso, Alckmin chegou ao segundo turno. O candidato tucano está tão despreparado para tratar do tema que piscou diante da cadeira vazia no debate da TV Globo. Era para perguntar de corrupção, e ele tergiversou. Já que o adversário mostra tal fragilidade, é claro que o candidato Lula tem que preparar seu ataque. Até porque, como diz Carlos Augusto Montenegro, do Ibope, se ficar um deles apresentado como rei da ética, o sério, o honesto, enquanto o outro tem que se defender o tempo todo, Lula pode perder a eleição, a despeito de sua vantagem inicial. Esta campanha caminha ao ritmo dos tiros nos pés. Depois do PT, agora é o PSDB que alveja seu próprio pé ao aceitar o apoio do casal Garotinho. O casal está numa má fase, tanto que, nesta campanha, teve que recuar as tropas para o reduto e jogar tudo na candidatura de Pudim. O campista Pudim foi eleito deputado, mas com menos votos que Fernando Gabeira, que nem fez campanha. O ganho do apoio, portanto, é discutível. As perdas são óbvias. Aquela foto com uma legenda da frase favorita de Alckmin ("Diga-me com quem andas e dir-te-ei quem és") vale quase tanto quanto a foto do dinheiro do PT. Ela é eloqüente. Sabedora disso, Heloísa Helena nunca quis posar com o casal, quando eles anunciaram que a apoiariam. Recebeu no Rio 1.425.699 de preciosos votos. O movimento de Alckmin foi um presente para a campanha de Lula no momento em que ele decidia que não vai fugir do debate na ética, vai acusar os tucanos por questões não esclarecidas, vai tirar fantasmas da gaveta. Quer empatar o jogo nesse pantanoso campo. Esse era o único movimento que podia ser feito neste momento. O governo convoca sua tropa de choque para espalhar confusão na área. A extemporânea liberação de R$1,5 bilhão 11 dias após ter cortado o mesmo valor é outro sinal de que o governo não respeita limite algum diante do objetivo da reeleição. O presidente Lula não precisava disso: continua sendo o favorito neste segundo tempo. Gastos, mentiras e uso da máquina vão dar o tom desta campanha, pelo visto. Uma pena... O Brasil continua com seus impasses e tragédias à espera de pessoas públicas que o mereçam. |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, outubro 06, 2006
Míriam Leitão - Usos e abusos
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