Merval Pereira - Acertando os palanques |
O Globo |
6/10/2006 |
A desistência da candidata do PPS ao governo do Rio, Denise Frossard, de continuar defendendo o voto nulo para a Presidência da República é o início de uma tentativa de recomposição das forças políticas antilulistas do estado, com vistas ao segundo turno da eleição. Mas, com a reação radicalizada do prefeito Cesar Maia ao apoio de Garotinho a Geraldo Alckmin, o estrago já foi feito, com peso no eleitorado do Rio mas, aparentemente, sem grandes repercussões nacionais. Pesou, de um lado, o açodamento da campanha tucana em angariar apoios sem medir conseqüências políticas, e por outro a disputa regional, na ótica do PFL do Rio mais importante do que a nacional. A mesma reação foi tomada por parte ponderável do PSDB local - capitaneada pelo candidato derrotado Eduardo Paes -, que, sentindo-se liberada pela declaração de Frossard de que anularia o voto, estava propensa a apoiar Sérgio Cabral. As direções nacionais dos partidos da aliança estavam empenhadas ontem em apagar esse incêndio, que só teve um beneficiário, o próprio Garotinho, retirado da penumbra em que se encontrava de volta para o proscênio político, com uma importância eleitoral que terá que provar nas urnas. Além do pragmatismo político, necessário diante da demonstração de força que Lula deu ao receber o apoio do grupo de Sérgio Cabral, pesou na mudança de atitude de Denise Frossard uma conversa com o presidente do PPS, o deputado federal Roberto Freire, que ideologicamente abomina o voto nulo. "Nem mesmo durante a ditadura nós defendemos o voto nulo", lembra Freire, um comunista que fez o "aggiornamento", acostumado a negociações políticas mais delicadas que essa. Ele argumenta que Garotinho não pediu nada em troca do seu apoio, e apenas tomou partido de Alckmin por que quer prejudicar eleitoralmente Lula, assim como escolheu Heloísa Helena no primeiro turno. A posição do presidente do PDT, Carlos Lupi, que deve dar seu apoio a Alckmin, foi a mais aceita entre os tucanos: essa seria uma briga entre evangélicos, em que ninguém deve se meter. O bispo Crivella apoiou Lula e Garotinho apoiou Alckmin, simplesmente porque no segundo turno é assim que a banda toca: ninguém pode ficar em cima do muro, há que se amealhar o maior número de apoios possível, o que não significa assumir compromissos com todos e qualquer um. O presidente Lula vai arrecadando seus apoios sem que o PT proteste, nem mesmo quando Collor recebe em troca de seu apoio um elogio público, ou quando o PP de Maluf anuncia sua adesão. O que incomodou o clã dos Maia no Rio foi a foto de Alckmin com o casal Garotinho, e o que se negocia agora são os limites de atuação de cada grupo. Ontem, por exemplo, o ex-deputado Roberto Jefferson anunciou que o PTB apoiará Alckmin, e não houve reclamações. Mas também ninguém pensou em tirar fotos com Jefferson. É certo, por enquanto, que não haverá palanque de Garotinho, e a candidata Denise Frossard estará livre para anunciar que no seu palanque Garotinho não entra. Mas, no vácuo de poder que se abriu no Rio, Garotinho já está avançando alguns passos, assumindo como se fosse tarefa sua a coordenação da campanha tucana, já que Cesar Maia, que a chefiava, afastou-se temporariamente. Se a situação azedar, Garotinho acaba firmando uma posição na campanha de Alckmin que não está prevista para ele. Os efeitos dessa trapalhada na arrancada da candidatura Alckmin para o segundo turno já poderão ser medidos na pesquisa que o Datafolha divulga hoje à noite no "Jornal Nacional". Na campanha tucana, há trackings, aquelas pesquisas telefônicas feitas no país todo, que indicam que Alckmin já teria ultrapassado Lula. Como eles acertaram no primeiro turno, é preciso levar em conta a informação. Mas, na campanha de Lula, que parece mais organizada neste primeiro momento, há outras pesquisas mostrando exatamente o contrário: a diferença entre os dois, que baixara para cinco pontos na última pesquisa Datafolha antes do debate, já teria dobrado para dez. Não aconteceu nada que justificasse uma melhora de Lula depois das urnas, a não ser aquela sua aparição na versão "paz e amor" na televisão. O problema com Garotinho também não parece ter uma dimensão nacional tão arrasadora assim. No plano nacional, Alckmin tem o apoio de governadores que representam mais de 60% do eleitorado. O governo não tem tido pruridos em acionar a máquina pública de maneira escancarada, o que pode estar dando resultado em estados onde Lula teve mau desempenho no primeiro turno. Essa atitude, no entanto, pode gerar efeitos inversos em médio prazo, se o eleitorado se convencer de que o governo está agindo de maneira ilegal e autoritária para se manter no poder. O que pode compensar a trapalhada dos tucanos neste início de segundo turno pode ser uma trapalhada dos petistas, como a briga interna em São Paulo entre os grupos que querem a cabeça do presidente Ricardo Berzoini e do senador Mercadante, pelo dossiê contra os tucanos, e aqueles que continuam querendo proteger os "companheiros". A ex-prefeita Marta Suplicy, tornada a principal líder paulista depois do fracasso de Mercadante, comanda a operação contra os adversários políticos. Essa briga interna, mais do que a defesa da ética na política, é a defesa dos interesses de grupos regionais e, secundariamente, da candidatura Lula. A expulsão do partido de todos os que participaram da manobra ilegal do dossiê contra os tucanos seria uma resposta pública ao eleitorado. O programa eleitoral tucano não será centrado no caso do dossiê, mas não vai deixar de acompanhá-lo para impedir que a solução só chegue depois das eleições. |
Entrevista:O Estado inteligente
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