Com tanto assunto para ser discutido neste momento eleitoral, o Brasil decidiu perder seu tempo discutindo coisas como: deve cortar gastos um país que tem déficit? Deveria ter sido privatizada a telefonia estatal que não conseguia entregar telefone aos usuários? Deve ser reformada uma previdência que dá déficit num país cuja população de idosos vai dobrar em 20 anos?
Quem quiser refletir sobre este inevitável assunto deve ler o livro que chegou ontem às livrarias: “Reforma da Previdência. O encontro marcado. A difícil escolha entre nossos pais e nossos filhos”, do economista Fábio Giambiagi.
Esse é um dos temas mais intratáveis do país. Ninguém que busca popularidade fala da necessidade de uma nova reforma. Ela tem o poder de provocar reações contra quem propõe como se fosse um insensível que quer apenas atacar o direito dos mais velhos. Na atual eleição, há um consenso: os dois candidatos à Presidência neste segundo turno acham que a reforma não é necessária. Os dados não sustentam essa visão.
Giambiagi já levou muita vaia em debate, já recebeu muita crítica por e-mail, mas trata do tema com a calma das convicções maduras.
O gasto com o INSS saiu de 2,5% do PIB para 8% do PIB de 1988 a 2006, como mostra o gráfico. É um gasto proporcional ao da Holanda e ao do Reino Unido, que têm uma população de idosos três vezes maior que a nossa.
O país ainda é jovem, mas isso mudará rapidamente nos próximos anos, porque ele começa a envelhecer, e essa tendência vai se acelerar. A proporção de pessoas com mais de 60 anos é de menos de 9%, mas aumentará 4% ao ano nos próximos 25 anos. O encontro com essa realidade está marcado.
Fábio Giambiagi é filho de argentinos e neto de italianos. Viveu na sua casa dramas de como garantir a renda dos mais velhos numa Argentina que entrou em decadência rapidamente, vitimando a classe média. Ele tem a sabedoria de ir pontuando seus dilemas pessoais diante dos dilemas do país, numa forma de dizer que ali, atrás de palavras às vezes duras, não está um tecnocrata insensível que tem o futuro garantido, mas um economista brasileiro que decidiu se debruçar sobre um tema inescapável e que, se não for enfrentado, nos condenará a um futuro sombrio.
Houve, desde as crises que ocorreram na primeira fase do Plano Real, uma perda acentuada da renda do trabalhador. A renda de quem trabalha caiu 25%. Enquanto isso, os aposentados que ganham salário mínimo tiveram um aumento de 90% do poder aquisitivo da sua renda. O que Fábio pergunta é se faz sentido que o trabalhador da ativa tenha perda de salário e o aposentado, aumento real. Ao fazer isso, o país está escolhendo transferir renda dos mais jovens para os mais velhos. “Proteger as aposentadorias da inflação é uma coisa, que elas sejam as únicas que tenham aumento real é algo completamente diferente.”
Claro que a tendência é dizer que se deve aumentar, cada vez mais, o salário mínimo, e que o piso da aposentadoria não pode ser desvinculado do salário mínimo, mas o que o país está fazendo com isso é uma escolha e, sobre essas escolhas, o país precisa refletir.
O tema é árido, mas Fábio Giambiagi cria um ambiente coloquial, uma conversa com um velho amigo. Exceto um ou outro economês, o autor consegue tratar do tema com impressionante clareza, levando o dilema do país para o nível familiar. Quem escolher? Como garantir o futuro dos nossos filhos se aumentamos cada vez mais o rombo das contas públicas e da Previdência? “O problema mora em casa e nós o amamos”, diz Fábio.
Há inúmeros pontos controversos, e ele vai esmiuçando um a um. Há déficit mesmo ou não? A conta maior não é a dos juros? É justo pagar ao aposentado em salários mínimos menos do que ele contribuiu? Fábio vai conversando sobre cada um, fazendo as contas, mostrando as escolhas e as projetando no tempo.
Há um ponto que volta sempre, e ontem mesmo recebi e-mail de um amigo ponderando que não se pode colocar como despesa previdenciária a aposentadoria rural de quem não contribuiu e o Loas, benefício dado aos velhos muito pobres. “Acho uma ajuda justa, mas não devemos pôr na mesma conta”, disse meu amigo. Ele quer também que se inclua a Cofins como receita, porque aí fica tudo equilibrado. Mesmo se forem separadas as despesas com benefícios assistenciais, para o Tesouro não muda nada. Mesmo se agregarmos um imposto a mais, o fato é que o Brasil é um país que aumentou muito os gastos para aposentadoria enquanto é jovem. O que deve fazer agora quando começa a envelhecer? Esse é o centro do dilema. O Brasil pode escolher não fazer nada, mas não há o que revogue o fato de que há um trem vindo em direção contrária.