O presidente Lula continua se contradizendo no caso do dossiê que membros “aloprados” de seu comitê de reeleição estavam negociando, para tentar acabar com o favoritismo do candidato tucano José Serra ao governo paulista e, de quebra, enterrar de vez a candidatura do “chuchu”, como ressaltou o ex-ministro José Dirceu em seu blog. Na entrevista ao GLOBO, indagado diretamente se não havia tido a curiosidade de perguntar a um de seus amigos envolvidos no esquema quem fora o autor e de onde viera o dinheiro, o presidente foi enfático: “Não perguntei nem perguntarei”. Na relação dos amigos a quem poderia perguntar estava Ricardo Berzoini, e lembro que Míriam Leitão ainda ressaltou: “Nem ao presidente de seu partido, seu ex-ministro Berzoini?”. E o presidente disse que não perguntara.
Ontem, na entrevista ao “Roda viva”, o presidente veio com uma nova versão, afirmando que cobrara de Berzoini um esclarecimento sobre o escândalo e, como ele não explicou nada, saiu primeiro da coordenação da campanha eleitoral e, mais adiante, da presidência do PT. Mas a versão para as saídas de Berzoini dos postos que ocupava foram muito diferentes na ocasião em que aconteceram.
Segundo Marco Aurélio Garcia, que assumiu seu lugar na coordenação da campanha e depois na presidência do PT, Berzoini só saíra da campanha porque não poderia trabalhar direito tendo que explicar a toda hora a questão do dossiê.
Mas continuaria colaborando.
Quando o PT se reuniu para tirá-lo também da presidência do partido, o próprio Lula saiu em sua defesa, dizendo que não ajudaria em nada tirálo da chefia do partido sem que as coisas estivessem esclarecidas.
Em entrevista a rádios do Nordeste, Lula chamou Berzoini de “homem importante no PT” e “quadro político de muita envergadura”.
Anteriormente, pressionado pelas perguntas sem respostas, Lula já havia responsabilizado Berzoini pela contratação dos “aloprados”, que formavam o setor de “inteligência” de sua campanha eleitoral, mas nunca disse que pedira explicações a ele.
Portanto, assim como nas vezes anteriores em que se viu devendo uma explicação à opinião pública, o presidente vai sacando do bolso do colete explicações as mais variadas, de acordo com cada situação e circunstância, sem se preocupar com a coerência.
No mensalão, disse que fora traído depois de muito tempo em silêncio, mas nunca nomeou os traidores. Ao contrário, confraternizou com todos, exatamente todos os envolvidos, mesmo os que saíram do governo por pressão política.
Recebeu em Palácio, e depois no palanque, todos os mensaleiros do PT e dos demais partidos, e teve elogios públicos para vários deles.
Disse em mais de uma reunião partidária que “os companheiros” não tinham nenhuma razão para ficarem cabisbaixos.
No presente caso do dossiê, o único que Lula defende ardorosamente quando questionado é seu ex-segurança Freud Godoy. Perguntado como pode ter tanta certeza de que ele não está envolvido no esquema fraudulento, já que não perguntara a ninguém sobre o assunto, Lula não esclarece.
Certamente não será mais essa incoerência que lhe tirará o favoritismo para a reeleição, e fica claro pelos movimentos do segundo turno que ele está mais próximo de uma vitória em 29 de outubro do que Alckmin.
Na verdade, se não fosse o surgimento do caso do dossiê, provavelmente não haveria nem segundo turno.
Muito antes da revelação de que o governo cooptava deputados de outros partidos para sua base de apoio na Câmara a troca de dinheiro vivo, em meados de 2005, o que estava em jogo no país era a maneira de fazer política que o PT levou para o governo, mesma maneira que vinha adotando desde os anos 90, ao assumir as primeiras prefeituras.
O aparelhamento dos órgãos públicos e o uso da máquina do estado em benefício de um projeto de poder é o que deveria estar em discussão desde que se revelou a visão de estado que o PT quer implantar, com o controle de meios de comunicação e movimentos culturais e sociais a serviço de um grupo político.
Na eleição municipal de 2004, esse autoritarismo do PT acabou infligindo uma derrota ao governo, fazendo com que a classe média o abandonasse.
A melhora das condições da economia, algumas medidas com objetivo claro de garantir base forte no interior do país, como a ampliação do Bolsa Família e o aumento real do salário mínimo, e o aumento dos servidores públicos fizeram com que Lula recuperasse sua popularidade, apesar dos desvios éticos de seu governo.
Não é possível discutir em palanques eleitorais questões como privatização ou eficiência da economia, e derrotar um governo que tem base popular e apelo emocional. Seu governo pode ser considerado bom ou ruim, de acordo com os interesses e pontos de vista de cada um — e a maioria o considera entre bom e ótimo —, mas o que deveria ser alvo de debate é a visão de Estado autoritário que traz consigo.
Somente símbolos derrotam um símbolo político como Lula, e por isso o governo não queria liberar a imagem da montanha de dinheiro que o PT arrecadou ilegalmente para comprar o tal dossiê. E é por isso também que as investigações sobre o tal dossiê andam a passos de lesma.
A não ser que surjam informações seguras sobre a origem do dinheiro, deixando claro que a campanha do presidente Lula se meteu em ilicitudes para arrecadá-lo, dificilmente o candidato tucano sairá vencedor desta eleição. A Polícia Federal, não encerrando as investigações antes da realização do segundo turno, estará contratando uma crise institucional grave para o futuro.
Entrevista:O Estado inteligente
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