Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, outubro 16, 2006

Fernando Gasparian, um símbolo


Artigo - ALMINO AFFONSO
Folha de S. Paulo
16/10/2006

Muitas de suas lutas ainda reclamam campeadores. Para enfrentá-las, é oportuno evocarmos as lições que nos deixou

HÁ POUCOS dias, Fernando Gasparian ganhou nova dimensão da vida. Encantou-se, como diria Guimarães Rosa. Contudo, neste mundo que ainda nos cabe, nem tudo se esfuma quando a morte nos toca. Há os que ficam, como tantos de grandeza maior, revivendo pelo testemunho do afeto, pela legenda que os pósteros vão compondo.
Pois assim começa a ser a saga de Fernando Gasparian. Do amigo, generoso como raros, cada um de nós, seus companheiros de juventude, com certeza relembra o instante em que o conhecemos em pleno amanhecer das lutas estudantis.
Mas é o homem público que, àquela época, já se desenhava como traço marcante de sua personalidade que quero evocar, com o orgulho de quem com ele partilhou os mesmos ideais.
Foi primeiro no 4º Congresso Estadual de Estudantes, promovido pela UEE, em 1952, no salão da Universidade Mackenzie. Entre tantos temas, o que mais nos empolgava era a tese do monopólio estatal do petróleo, da qual, por fim, nasceu a Petrobras.
Com essa bandeira, foi eleito presidente da União Estadual dos Estudantes (São Paulo) e, de tal forma encarnou esse compromisso que, ao longo de sua vida, passou a ser talvez o signo marcante de sua visão política.
Tornou-se, desde então, um nacionalista militante, ardoroso, apaixonado. Ampliou seus horizontes. A questão da energia elétrica, que viera à tona com o projeto da Eletrobrás enviado ao Congresso pelo presidente Getúlio Vargas, num confronto aberto com o capital estrangeiro, ganhou seu entusiasmo e sua liderança no meio universitário. E, assim, gradualmente, os grandes temas nacionais foram se transformando no impulso gerador de sua formação política.
Nesse contexto, como tantos de nós, inscreveu-se no Partido Socialista Brasileiro, fundindo à problemática nacional a questão social. Foi assim desde a juventude. Anos depois, nessa mesma trilha, ao lado de Rubens Paiva e Marcus Pereira, assume o "Jornal de Debates", por concessão do admirável Matos Pimenta, e o grande semanário ressurge em São Paulo como uma trincheira da causa nacionalista.
E quando o regime militar se impôs, a partir de 1964, funda o jornal "Opinião", com jornalistas e intelectuais de claro compromisso democrático, assentando as bases da crítica sistemática ao obscurantismo político, numa hora em que as liberdades públicas estavam cerceadas. Sobra dizer que a audácia lhe custou a prisão, e ao jornal, sufocado pela censura, o fechamento.
Mas, a esse combatente, não lhe curvavam a fronte. Cria, como empresário, a editora Paz e Terra, a rigor, nova trincheira contra a ditadura.
As lideranças políticas (desde Ulysses Guimarães e Franco Montoro a Marcus Freire e Alencar Furtado), com a voz abafada pelas paredes do Congresso Nacional, sem espaço na imprensa, passaram a ter seus discursos editados em livros, numa contribuição inestimável à resistência democrática.
Com a editora Paz e Terra, Fernando Gasparian continuou dando a mesma batalha, ao longo de sua vida, publicando obras marcantes do pensamento político e científico brasileiro, em muitos casos em uma verdadeira missão apostolar. Basta ler o catálogo da editora e se verá que, mais do que o empresário, Fernando Gasparian foi o homem público que acolheu e multiplicou idéias e mensagens que hão de ficar.
Na Assembléia Constituinte, em 1988, Fernando Gasparian teve uma presença significativa e contribuiu, sobretudo no âmbito das questões econômicas, para dar grandeza à Constituição da República.
Para fazê-lo, não se preocupou se feria interesses ou se chocava com idéias predominantes. O que lhe importava era a consciência de estar servindo ao país -vale dizer, à pátria, como ele gostava de dizer.
Na verdade, muitas de suas lutas ainda estão a reclamar novos campeadores. Para enfrentá-las, neste torvelinho difícil da vida nacional, é oportuno que evoquemos as lições que Fernando Gasparian nos deixou, valendo-nos da força de sua personalidade, dele, que foi acima de tudo o símbolo de uma geração tão rica de aspirações.

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