Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 15, 2006

Miriam Leitão País hipotético

Vamos imaginar que moramos num país normal, que costuma olhar de frente para seus problemas e preparar a solução. Num país assim, 15 dias antes das eleições presidenciais estão todos envolvidos no debate de conteúdo sobre a lista do que fazer. Candidatos apresentam suas idéias com clareza, não mentem sobre seus feitos e defeitos e fazem promessas que cumprirão.

Nesse país imaginário há uma lista de problemas a serem enfrentados, dos quais os candidatos não fogem. A longa lista começaria com uma emergência, uma precondição: combater a corrupção, que se elevou de forma perigosa. Os candidatos e suas equipes estariam buscando informações objetivas sobre como combater o problema. Ninguém estaria dizendo que é impossível impedir que ocorra o crime, só é possível punir depois; ninguém acusaria o outro sabendo que também do seu lado ocorreram erros; ninguém diria que não sabe o que aconteceu se os crimes foram cometidos por pessoas íntimas e dirigentes do seu comitê de campanha; ninguém diria que política não é só coisa limpa. O passado seria apurado, mas, além disso, o grande compromisso que os candidatos apresentariam ao eleitor seria a adoção de medidas preventivas para garantir que isso nunca mais aconteça na história desse país. Por isso, a solução é tratar o problema com objetividade. Por exemplo: fazendo uma força-tarefa que analise casos internacionais de combate à corrupção e levante soluções que deram certo em outros países. O candidato diria que não se pode aceitar nem mesmo aquilo que é feito sistematicamente no país, porque conformar-se com a rotina dos crimes é aceitar a derrota da civilização e dos valores.

Cumprida essa etapa indispensável, os candidatos estariam apresentando soluções para outros problemas centrais. Exemplo: o país cresce menos do que o resto do mundo. Isso é grave. Constatariam sinais da anormalidade: o investimento público está no mais baixo nível em 40 anos; há 15 anos a carga tributária sobe; a dívida é alta e cara; a informalidade é uma das mais elevadas do mundo; falta dinheiro para questões básicas. Se o país fosse normal e os candidatos também, estariam apresentando aos eleitores fórmulas viáveis de solução do impasse fiscal. Nenhum candidato diria que esse é o melhor momento econômico desde a proclamação da República, nem diria que tudo se resolverá apenas com um mal definido “choque de gestão”; ninguém teria coragem de dizer que não é necessário cortar gastos. Todos saberiam ver o tamanho da encrenca. A lista do que fazer seria longa: reforma tributária, mudar a forma de fazer o orçamento, redução do custo do Estado, combate à informalidade. Fácil de falar, difícil de fazer. Só para acertar a reforma tributária é necessário que 27 estados, cada um com sua estrutura econômica e sua preferência tributária, estejam de acordo. Por isso o candidato desse país normal diria que ele próprio comandaria a negociação, prometeria arbitrar e oferecer soluções para os impasses federativos, que, em alguns pontos, põem em lados opostos governadores do mesmo partido. O candidato diria que a proposta, a liderança, o ônus de conciliar o conflito federativo, tem de ser da união e que, por isso, nunca culparia os governadores por não ter feito a reforma, nem diria “mandei para o Congresso, está lá, não foi aprovado por culpa da oposição”.

A população do país é jovem ainda: 36% têm menos de 20 anos, apenas 8,9% têm mais de 60 anos, mas mesmo assim a Previdência já quebrou. Alguma coisa está errada com a Previdência. O país gastava 2,5% do PIB com o INSS na época da Constituinte; em 1994 o gasto já tinha pulado para 5%, no final do governo Fernando Henrique era de 6,5% e hoje já está em 8% do PIB. O país tem 16 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, e em 2030 terá 40 milhões. Se não resolver o problema agora, será tarde demais quando a população envelhecer. Por isso nenhum candidato se atreveria a dizer que não fará a reforma da Previdência, porque os dados mostram que ela é inevitável.

A educação tem números vergonhosos: menos escolaridade do que países mais pobres, e, no último ano, as estatísticas mostraram aumento de trabalho infantil e de evasão escolar de adolescentes. Por isso esse assunto seria central, e pelo menos um candidato estaria propondo um programa do tipo: “Todo adolescente na escola.” Ninguém estaria confundindo solução para a educação com o ato de abrir universidades públicas de papel. Todos os candidatos saberiam que o fundamental é investir no primeiro e segundo graus. Nesse país, jamais um político iria se vangloriar de ter conquistado vitórias sem ter estudado, ninguém diria que ser “letrado” é defeito porque políticos são líderes e não devem deseducar jovens ainda em idade escolar e que podem interpretar essas mensagens como incentivo a não estudar e não ler.

Nesse país a mortalidade infantil caiu muito, mas ainda é alta. Por isso, nenhum candidato se atreveria a dizer que a saúde está perto da perfeição. O meio ambiente está sendo destruído, a violência atinge principalmente os jovens. Esses problemas estariam todos na agenda.

Todo país tem problemas, e em todo país normal os políticos que se apresentam para renovar seu mandato ou ganhar um posto na administração pública têm soluções e não uma lista repetitiva de auto-elogio. Por isso, as eleições são uma excelente oportunidade para renovar a busca por novas idéias e propostas. Mas isso, num país normal.

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