Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 14, 2006

celso ming Banqueiro dos pobres

Banqueiro dos pobres

celso.ming@grupoestado.com.br

Foram um banqueiro e seu banco os ganhadores do Prêmio Nobel da Paz deste ano.

Mas não se trata nem de um banqueiro nem de um banco qualquer. Seus empréstimos são feitos sem análise de risco, sem garantias, sem contrapartidas, sem contrato por escrito, sem cobrança judicial. Só não dá para dizer que o trato seja feito na base do 'fio de bigode' porque 96% da clientela é mulher. Em todo o caso, tudo funciona na base da confiança.

Muhammad Yunus, 66 anos, nasceu em Bangladesh (antigo território de Bengala Ocidental) e formou-se em Economia nos Estados Unidos. Ao passar pelo vilarejo de Jobra, em 1972, emprestou o equivalente a US$ 27 para 42 pessoas muito pobres. Quatro anos depois, fundou o Banco Grameen (Banco das Aldeias). Yunus é o pioneiro do microcrédito, que se espalha hoje por 57 países.

Seu banco empresta o equivalente a US$ 800 milhões por ano. O empréstimo médio é de US$ 130. É um dinheiro que raramente vai para o consumo. O objetivo é dar um meio de garantir alguma forma de produção. Pode ser o financiamento de um liquidificador para uma senhora que produz comida para terceiros; um secador profissional para uma cabeleireira; um celular para um encanador que, assim, pode ser chamado à casa do cliente sem ter de voltar para sua base de trabalho.

Por princípio, Yunus não dá esmolas, nem que seja para um aleijado que estende a mão numa calçada, uma criança abandonada ou mãe molambenta com filho no colo. Sua proposta é passar ao cliente a idéia de que é capaz de sair sozinho do buraco em que está. Com essa filosofia, Yunus dificilmente aprovaria programas sociais como o Bolsa-Família ou o Fome Zero, iniciativas eminentemente assistencialistas.

Em contrapartida, o Banco Grameen não aceita doações. Trabalha com os recursos dos depositantes e dos empréstimos que levanta em outras instituições financeiras.

Em maio tinha 2.226 agências, 226,7 milhões de clientes e 6,7 milhões de tomadores de empréstimo em 70 lugarejos de Bangladesh. A idéia de atender preferencialmente mulheres vem de sua observação de que elas assumem a maioria das responsabilidades da casa e do cuidado dos filhos. Os 12 mil funcionários são remunerados a salários de mercado. Parte dos lucros é aplicada em uma fundação que presta assistência em catástrofes naturais.

O crédito não é negociado individualmente, mas em grupos de cinco ou seis pessoas, solidárias entre si. Uma cuida de que a outra cumpra seu contrato. O pagamento do empréstimo nas condições contratadas habilita automaticamente o tomador a novo empréstimo. O Banco se orgulha de ter um índice de inadimplência de apenas 1,1%, número que nenhum banco convencional é capaz de ostentar.

Não dá para ignorar o duplo viés político do critério da Real Academia de Oslo ao conceder esse Prêmio Nobel. Foi dado a um muçulmano formado nos Estados Unidos e, portanto, a alguém que incorporou valores ocidentais. E a uma instituição bancária encorajada pelo Banco Mundial, um dos pilares de Bretton Woods (o outro é o Fundo Monetário Internacional), sustentáculo do capitalismo moderno (desde 1944).

No Brasil os programas de microcrédito ainda não são um fracasso retumbante, mas também não conseguem decolar. Começaram no primeiro ano do governo Lula, por meio da Resolução 3.109 do Conselho Monetário Nacional, que obrigou os bancos a destinar 2% dos seus depósitos à vista a microempréstimos, a juros nominais de 2% ao mês que, acrescidos de outros custos, normalmente se elevam a alguma coisa em torno dos 4% ao mês. Os administradores dessas carteiras se queixam de que são segmentos com muitas restrições, alto custo operacional e baixo retorno. Emprestar R$ 50 mil para compra de um carro exige a administração de apenas um contrato; emprestar R$ 50 mil para 50 pobres são 50 contratos e muita dor de cabeça. É pequeno o volume de empréstimos direcionado para atividades produtivas.

O erro básico parece ser o de exigir que bancos convencionais operem em nichos que não têm nada a ver com a natureza do seu negócio. Seria como obrigar o rei da soja a cultivar uma horta em cada plantação ou a Daslu a destinar 2% de suas vendas ao atendimento a favelados. Quem sabe vender fogão a prazo para trabalhador que não tem carteira assinada, mas pode pagar, é as Casas Bahia.

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