Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 10, 2006

Merval Pereira - Sujeito político



O Globo
10/10/2006

Pela primeira vez nesta campanha eleitoral o candidato tucano, Geraldo Alckmin, tornou-se o sujeito do debate político. Falava-se ontem que "Alckmin ganhou o debate"; ou que "Alckmin foi muito agressivo"; ou que "Alckmin pode ter ganhado o voto de indecisos", ou até mesmo, na interpretação dos petistas, que "Alckmin perderá votos pela agressividade". É uma reviravolta e tanto, numa eleição em que até agora tudo girava em torno do presidente Lula, considerado "imbatível" por uns; ou "praticamente eleito" por outros. Mesmo quando a oposição queria dizer que poderia ganhar, dizia que "Lula não é invencível", nunca que "Alckmin pode vencer".

Essa mudança de eixo no debate político denota uma alteração no clima eleitoral, embora não se possa dizer que Lula tenha saído do debate derrotado definitivamente. Não, ele continua favorito, mas dando a sensação de que nunca esteve tão perto da possibilidade de perder uma eleição que estava ganha.

Ontem, todas as pesquisas dos sites e blogs da internet, sem exceção, davam vitória folgada para Alckmin no debate, demonstração de que a militância do PT não teve nem ânimo nem organização para se mobilizar e tentar mudar o rumo dessas enquetes eletrônicas, que, se não têm nenhum valor científico, refletem a sensação generalizada após o debate da Bandeirantes.

Mais uma vez Lula mostrou que é bom orador sozinho no palanque, ou nos pronunciamentos oficiais, sem o contraditório. Diante de um oponente mais agressivo, ou de um jornalista mais insistente, ele geralmente perde o bom humor e demonstra claramente sua contrariedade. Não é por acaso que saiu, segundo vários relatos, irritado do debate.

A constatação de que se surpreendeu com Alckmin e a queixa de que ele foi muito agressivo revelam que Lula pensava que, com as ameaças de remexer em acusações de corrupção em governos tucanos passados e presentes, Alckmin não se atreveria a atacá-lo. Dizer que agora já sabe qual é o jogo e que vai se preparar para enfrentar Alckmin demonstra a um só tempo o despreparo com que se apresentou para o debate e o reconhecimento de que não foi bem.

Não foi um massacre, como alguns tucanos mais exaltados anunciaram, mas Alckmin sem dúvida mostrou-se como alternativa viável à Presidência. Depois de ter surpreendido com uma votação acima da expectativa no primeiro turno, e ter perdido tempo e prestígio em uma negociação política polêmica como a envolvendo o casal Garotinho no Rio, Alckmin encerrou a primeira semana de campanha do segundo turno em linha ascendente.

Hoje, quando sair a pesquisa Datafolha, e amanhã, a do Ibope, saberemos como a opinião pública reagiu a esse novo Alckmin, que deixou o presidente encalacrado em mais de um momento do debate. Nunca antes um presidente da República havia sido chamado de mentiroso tão diretamente. Nos Estados Unidos, uma mentira tem a força de acabar com a carreira de políticos e tirar presidentes do cargo. No Brasil, pode ser que eleitores entendam que Alckmin foi desrespeitoso com o presidente.

A tática dos governistas ontem, inclusive do próprio presidente, sem poder dizer que Lula ganhou o debate, foi vitimizá-lo. Foi voz uníssona entre eles que Alckmin foi agressivo e não quis discutir projetos de governo, mas apenas atacar.

De fato, é difícil saber qual será a reação da maioria do eleitorado. A televisão tem códigos e signos que são misteriosos para os comuns mortais, e passa ao telespectador informações que muitas vezes não são controladas pelos políticos. A linguagem corporal, a expressão facial, um lábio mordido, um engasgo que revela ansiedade, tudo é observado pelo eleitor-telespectador.

Em alguns momentos Alckmin pode ter soado arrogante para parte dos espectadores, mas, se isso aconteceu, Lula pelo menos empatou o jogo ao assumir ares de salvador da pátria quando disse que Alckmin devia agradecer-lhe por ter "salvo o país". Ou que nunca nos últimos 20 anos o país crescera tanto quanto em seu governo, o que não é verdade.

Depois de dois blocos - ou rounds? - acuado, Lula recuperou-se na parte final, mas conseguiu apenas equilibrar as ações com algum bom humor, como quando disse que Alckmin não ficava bem no figurino agressivo. A mais vistosa das jóias da coroa do governo Lula é a redução da miséria, através de ações conjuntas do Bolsa Família, aumento real do salário mínimo, inflação baixa e real valorizado, o que foi ressaltado por Lula.

Uma combinação de fatores que já estiveram presentes na nossa economia na época do Plano Real, e que deu ao ex-presidente Fernando Henrique condições de se eleger e se reeleger no primeiro turno. Discutir se o programa tem ou não caráter meramente assistencialista é importante para os formadores de opinião e para o país, mas não para as 40 milhões de pessoas (quantos eleitores?) que fazem parte dele.

O governo Lula, se é medíocre na maior parte das áreas, tem pontos a serem ressaltados positivamente, na parte econômica e na política social, e mesmo na política externa, onde os candidatos mostraram claramente suas posições, e dependerá do eleitor definir quem defende melhor os interesses do Brasil na Bolívia.

É mais fácil um presidente ser reeleito do que rejeitado pelo eleitorado. Isso só acontece quando um governo é desastroso. A questão ética é o calcanhar de Aquiles do governo Lula a qualquer momento de um eventual segundo mandato, e não apenas na campanha eleitoral. Essa é a vulnerabilidade que o deixa passível de uma derrota, e é nesse campo que se decidirá a eleição.

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