O Globo |
11/10/2006 |
O que está acontecendo com a interpretação da legislação sobre as cláusulas de desempenho dos partidos políticos, que entraram em vigor em sua plenitude nesta eleição, é a prova de que a realidade política, na maioria das vezes, se impõe e supera impasses que pareciam insolúveis, não necessariamente com uma boa solução, mas a mais aceitável à maioria, transformando nosso sistema político-partidário numa fonte de crises políticas. De acordo com a interpretação que prevalecia entre estudiosos e políticos até a promulgação dos resultados desta eleição, apenas sete partidos preencheram as condições previstas pelo artigo 13 da Lei dos Partidos Políticos, de 1995. PMDB, PT, PSDB, PFL, PDT, PP e PSB tiveram 5% dos votos nacionais, sendo que pelo menos 2% em cada um de nove estados. Uma outra interpretação, no entanto, trouxe a polêmica ao que era consensual: técnicos do TSE consideraram que, não estando explícito na lei que os 5% dos votos teriam que ser de todo o país, a interpretação correta do texto legal seria que os 5% se referiam aos votos apurados dos nove estados em que os partidos deveriam ter pelo menos 2% de votação. Com isso, outros três partidos entrariam na lista dos que cumpriram a lei: PL, PTB e PPS. O presidente do PPS, deputado Roberto Freire, está convencido de que essa é a interpretação correta, embora ele mesmo pensasse diferente, e achasse que seu partido não cumprira os requisitos legais. Também o ex-deputado e jurista Marcelo Cerqueira diz que, embora o espírito da lei fosse outro, seu texto não exige que os votos sejam nacionais. E o que diz o artigo 13 da Lei 9.096/95?: "Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados, obtenha o apoio de, no mínimo, 5% dos votos apurados, não computados os brancos e nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos estados, com um mínimo de 2% do total de cada um deles". Em vez de "5% dos votos nacionais", uma mão de gato colocou na lei "votos apurados", e deu margem a essa esdrúxula interpretação. O histórico da lei mostra como seu espírito foi burlado em 1995. A primeira Constituição da ditadura, de 1967, estabelecia a cláusula de barreira de 10% como índice mínimo de votos nacionais que um partido deveria ter para funcionar. A Constituição de 1969, outorgada pela Junta Militar, reduziu essa barreira para 5%, patamar mantido no pacote de abril de 1977. A Emenda Constitucional número 2, de 1982, suspendeu a vigência desse dispositivo, que voltou na Lei dos Partidos Políticos de 1995, vê-se agora, desfigurado no seu sentido. Dificilmente o plenário do TSE vai endossar essa interpretação tecnicista, havendo clareza de que o espírito da lei era outro. Na sua primeira fase, que teve início na eleição de 2002, a lei já previa que o partido que não obtivesse pelo menos 5% dos votos nacionais, sendo 1% em pelo menos cinco estados, não poderia ter liderança na Câmara nem participar de comissões. Uma interpretação benigna das diversas Mesas Diretoras da Câmara permitiu que o Prona e o PV participassem integralmente das atividades. O PTB se uniu ao PSC, que obtivera 0,52% dos votos, e ultrapassou assim os 5% dos votos nacionais. Agora, mais uma vez associou-se ao PSD para superar a barreira, com o beneplácito do TSE, que está permitindo a fusão a posteriori de siglas para que os votos sejam somados, o que também fere o espírito da lei. Uma outra tentativa de burlar as cláusulas de desempenho é a aprovação do funcionamento retroativo das "federações partidárias", isso é, duas ou mais legendas que se unem para atuar juntas tanto na eleição como no Congresso, e somar forças para cumprir as cláusulas. Aprovar essa figura depois do resultado da eleição é uma aberração. A realidade política, no entanto, está se encarregando de resolver essa questão. Os grandes partidos, interessados em cooptar o maior número de deputados eleitos pelas siglas que não ultrapassaram as barreiras legais, não estão dispostos a aprovar a figura da "federação". O Partido Verde, que também não conseguiu superar as cláusulas de barreira, tomou outra direção: pretende derrubá-las em uma futura reforma política, ou fazer com que elas só existam se mudarmos nosso sistema eleitoral. O candidato a senador pelo PV no Rio, Alfredo Sirkis, que individualmente ultrapassou a cláusula de barreira - teve 7% da votação no estado, com 500 mil votos -, acha que a cláusula de barreira "só é concebível com um sistema proporcional por lista, como na Espanha e Portugal, quando o eleitor vota no partido e no seu programa e não em candidatos individuais, ou, na Alemanha, onde esse voto de lista convive com o componente, distrital. Aí é possível, de fato, medir a representatividade autêntica dos partidos". Ele diz que, no sistema brasileiro, os partidos são "meros receptáculos de um somatório aritmético de candidaturas individuais, onde a forma de ter mais votos é recrutar, indiscriminadamente, o máximo de candidatos, com base eleitoral própria, sem barrar ninguém", o que tornaria a cláusula de barreira "um engodo, uma mentira, mais um faz-de-conta tipicamente brasileiro". Ele diz que o resultado prático da cláusula de barreira será "formar grandes partidões amorfos, muito parecidos entre si, com suas bancadas constituídas de donos de 'centros assistenciais', de compradores de votos, mais um ou outro representante de alguma corporação, uma ou outra personalidade bizarra, um ou outro radialista, um ou outro pastor evangélico e um ou outro ex-jogador de futebol". Sirkis considera que, já que "o postulado da política brasileira é o somatório de votos individuais", seria "perfeitamente legítimo" que os partidos um pouco aquém da cláusula tentem sobreviver por fusões e outros expedientes aritméticos. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, outubro 11, 2006
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