Ou o presidente Lula está se preparando para mais um estelionato eleitoral, ou haverá uma mudança profunda na política econômica de seu eventual segundo governo. Quando ele sobe em um palanque como fez na noite de quinta-feira, no Rio, e diz ao povo que o “corte de gastos correntes” que seu adversário defende significa demitir funcionários públicos, ele está não apenas fazendo o mesmo terrorismo eleitoral de que já foi vítima em outras eleições, como está se comprometendo a não cortar os gastos do governo. Mas ele sabe que não há outra saída para manter o equilíbrio fiscal, especialmente depois da gastança que vem promovendo na reta final da eleição.
A liberação de R$ 1,7 bilhão que está sendo denunciada pela oposição ao TSE como uso da máquina pública a favor de sua candidatura é apenas uma demonstração explícita das muitas que já foram captadas pelo mercado financeiro de que os gastos públicos estão soltos.
O efeito dessa liberação só vai aparecer depois das eleições, vai estourar por volta do fim do ano. Não foi à toa que o governo havia anunciado o corte de R$ 1,5 bilhão do Orçamento uma semana antes.
As contas públicas só estão fechando porque, entre outras medidas consideradas “excentricidades” pelo mercado financeiro, o governo mandou os bancos federais anteciparem os lucros que ainda nem tiveram. O lucro a ser gerado este ano, em condições normais, só teria uma parcela transferida para o Tesouro, como dividendos e juros do capital próprio, em 2007. Pois os bancos federais já estão pagando ou já pagaram. E, além disso, eles têm pagado um percentual muito maior do que os 25% normalmente pagos no passado.
Segundo os técnicos, essa operação produz um efeito superavitário em 2006, mas vai gerar um déficit de igual proporção em 2007. O mesmo vale para empresas estatais — mas aí o efeito é diferente: diminui o superávit das estatais e o transfere para o Tesouro. A questão é como o governo vai fechar as contas em 2007. Sem inflação e sem crescimento, só restaria aumentar a carga tributária, mas a sociedade não aceita mais, ou cortar gasto.
Ao contrário do que Lula berra nos palanques eleitorais, o governo havia enviado alguns sinais de que estaria disposto a adotar um projeto fiscal de longo prazo, reduzindo lentamente o gasto público como proporção do PIB, como aliás propusera o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, sendo atacado pela ministra Dilma Rousseff, que classificou essa tese de “rudimentar”. Houve também uma retomada de negociações sobre a necessidade de uma reforma mais profunda da Previdência.
Até mesmo o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, pregou com destemor o fim do “direito adquirido” e contra os privilégios do funcionalismo público, admitindo o corte de salários e demissões de pessoal. Agora, durante a campanha eleitoral, o presidente Lula denuncia como projeto de seu adversário o que ele mesmo pretendia fazer num segundo mandato. Da mesma forma que Fernando Collor o acusou na campanha de 1989 de querer confiscar a poupança do povo e, eleito, foi ele quem fez o confisco.
Assim também a ex-prefeita Marta Suplicy, que assumiu a coordenação da campanha eleitoral em São Paulo depois do escândalo do dossiê contra os tucanos, adota o terrorismo eleitoral espalhando que Alckmin vai acabar com o Bolsa Família.
Apesar dos números retumbantes do saldo da balança comercial, o resultado das contas públicas piorou, e já há a impressão no meio financeiro de que o superávit primário de 4,25% não será alcançado este ano. Piorou também o déficit da Previdência, com os efeitos do aumento real do salário mínimo.
Embora seja um consenso entre os economistas que, se o sistema previdenciário não for reformado, as contas públicas de longo prazo não fecham, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, assumiu o discurso de que apenas com o crescimento econômico se resolverá a questão do déficit.
A mesma tese, aliás, que o candidato tucano Geraldo Alckmin vem defendendo, o que mostra que nossos homens públicos não conseguem enfrentar os grandes temas nacionais durante o período eleitoral.
Mesmo quando se excluem as contas financeiras e previdenciárias, ainda temos 21% do PIB para custear a máquina administrativa, investimentos e política social, o mesmo que têm Chile e Argentina, países com indicadores socioeconômicos melhores que os nossos.
Um trabalho já citado aqui na coluna, dos economistas Vito Tanzi, do FMI, e Ludger Schuknecht, do Banco Central europeu, analisando um amplo grupo de países desenvolvidos, constatou que os países de menor setor público tiveram uma média de desempenho econômico melhor, com indicadores sociais semelhantes aos conseguidos por governos com setor público avantajado.
Justificando a visão petista, o estudo mostra que a única exceção é a distribuição de renda, que melhora nos países com governos grandes. Mas, segundo o estudo, a diferença é menor do que o previsível quando se considera o volume de gastos em transferências com o objetivo deliberado de reduzir a desigualdade.
O economista Luiz Guilherme Shymura, do Ibre-FGV, analisando como a desigualdade está sendo combatida no país, com políticas redistributivas baseadas na alta taxação e no aumento dos gastos públicos, diz que é inevitável constatar que os fatores negativos da redistribuição sobre o crescimento tendem a ser tão maiores quanto maior for a desigualdade. A própria redução da desigualdade, da maneira como é feita pelo governo, tornou-se um importante entrave ao crescimento econômico do Brasil.
Entrevista:O Estado inteligente
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