Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 24, 2006

Merval Pereira - Anatomia do voto



O Globo
24/10/2006

Um trabalho da equipe do cientista político da PUC do Rio de Janeiro Cesar Romero Jacob, elaborado com base nas 558 microrregiões geográficas do IBGE, um recorte territorial intermediário entre os 26 estados e os cerca de 5.500 municípios, mostra com clareza que, ao contrário do que o próprio Lula vem propalando, não está havendo nesta eleição uma divisão simplista entre o Brasil do norte e o do sul, e nem mesmo entre ricos e pobres, mas sim entre interesses específicos de grupos de eleitores.

Os mapas, organizados com a colaboração de Dora Rodrigues Hees, do IBGE, Philippe Waniez, do Instituto de Pesquisas para o Desenvolvimento de Paris e Violette Brustlein, do Centro Nacional de Pesquisa Científica de Paris, mostram que os eleitores votaram basicamente "com o bolso", e parte deles ainda luta entre o bolso e a ética para definir seu voto no segundo turno.

Votaram com o bolso não apenas os eleitores do Norte e Nordeste, por causa dos programas assistenciais, mas também o eleitorado do Sul e Centro-Oeste, contra o dólar barato que afeta o agronegócio. Os mapas de votação de Lula e Alckmin mostram como esses dois candidatos foram competitivos, e como há um vazio no interior do país nas candidaturas tanto de Heloisa Helena quanto de Cristovam Buarque.

No mapa de Lula, por exemplo, o maior volume de votos equivale a três milhões, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Romero Jacob ressalta que há uma variação muito grande, uma amplitude na votação de Lula, que tem o piso de 18% na Região Sul, São Paulo e Centro-Oeste, onde teve pior desempenho, e o teto de 85%, nas regiões Norte e Nordeste, onde se destacam particularmente o Maranhão, o Piauí, a Bahia e Pernambuco, que é um estado tradicionalmente muito rachado e que desta vez veio unido com Lula.

Na região Norte, Cesar Romero lembra que "uma coisa é o estado do Amazonas, outra é o Pará, onde o PSDB governa há 12 anos". O mapa que compara as votações da eleição de 2002 e a de hoje mostra que há uma queda muito acentuada de Lula no sul do país - Santa Catarina, por exemplo, e São Paulo - e um crescimento muito grande no Amazonas e no Nordeste, um crescimento que chega a 67% no Nordeste, e uma queda de até 37%. Há uma mudança muito grande na geografia eleitoral do Lula, comenta Romero Jacob, uma troca de eleitorado.

Já com relação a Alckmin, seu mapa de votação, além do destaque mais ou menos óbvio de São Paulo, onde esteve no comando estadual por 12 anos, mostra que o seu piso é 80 mil votos, como o do Lula, mas o teto é de quatro milhões de votos, maior que o do presidente. Embora sua votação no Rio tenha sido mais baixa que a de Lula, também tem capilaridade.

A diversidade intra-estadual de sua votação é grande: o piso é de 10%, e o teto de 74%, muito forte em todo o Sul do país, em São Paulo e no Centro-Oeste. Sua votação começa a cair à medida que se desloca para o Norte, no Amazonas sobretudo, e no Nordeste. O desempenho cai a 10% dos votos em alguns estados, como no Maranhão e no Ceará.

Um estudo interessante é o que mostra a diferença de votação entre Alckmin e Serra em 2002. O candidato atual do PSDB cai até 35 pontos percentuais na região Norte, como no Amazonas, e no Nordeste, e cresce até 51 pontos no Sul, em São Paulo e no Centro-Oeste. Na interpretação do prefeito do Rio, Cesar Maia, as conclusões são evidentes por si mesmas. "Em 2002, Serra conseguiu um resultado muito melhor que Geraldo no Nordeste e no Norte. Geraldo conseguiu um resultado muito melhor em SP e Sul. Pode-se deduzir, por exemplo, a importância da máquina do governo no Nordeste e Norte, pois Serra, com uma votação percentual muito menor que Geraldo, conseguiu aí uma votação percentual muito maior que Geraldo".

A candidata do PSOL, Heloisa Helena, teve votação basicamente nas capitais, sem capilaridade, com um vazio no interior do país. Os destaques são a votação no Rio, onde chegou a receber 21% dos votos, e em Alagoas. Também o candidato do PDT, Cristovam Buarque, tem um mapa de votação que mostra um vazio no Brasil. Chama a atenção sua votação no Sul, onde obteve 6% dos votos, mas Romero Jacob lembra que essas são as bases do PDT, remanescentes do brizolismo no Rio Grande do Sul. Também a votação de Cristovam no Distrito Federal, onde ele é um líder forte, foi importante.

Romero Jacob lembra que ninguém chega à Presidência sem votação no interior do país: "Nos grotões estão 44% do eleitorado, em municípios de até 50 mil eleitores. A gente acha que a eleição se decide nas capitais, mas isso não é verdade. Nos grotões, o que decide fundamentalmente são as máquinas que atuam sobre o território. A capacidade de a grande imprensa formar o voto lá é pequena, porque existem outros elementos".

Para ele, hoje, o objeto da disputa mesmo está nas capitais. Ele vê uma classe média "dividida entre o bolso e a ética". O professor da PUC acha que, para a população pobre, "essa discussão ética é perfumaria. O povo vive na informalidade, de bico, as pessoas que estão lutando pela sobrevivência querem saber é se o Bolsa Família vai ajudar a pagar o leite das crianças. Nas áreas mais pobres, seja nos grotões, seja na periferia metropolitana pobre, essa discussão ética é irrelevante".

É na classe média urbana escolarizada que a disputa continua, um voto de capital, e é este eleitorado que estão disputando Lula e Alckmin agora no segundo turno. "Para esse eleitor, o governo Lula foi bom em relação à inflação e ao câmbio. Onde o governo Lula não atende é na questão ética", comenta Cesar Romero Jacob. (Continua amanhã)

Arquivo do blog