Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 24, 2006

Luiz Garcia - Em outros quintais



O Globo
24/10/2006

Para mudar de assunto, como vai o resto do mundo? É uma pergunta aparentemente idiota. Desde o início dos tempos, a resposta não tem variado muito: vai bastante bem para os ricos e fortes, ruim como sempre para os pobres e fracos e mais ou menos para os mais ou menos.

Mas, saindo do geral para o específico e o momentâneo, pelo menos dois assuntos destes dias merecem alguma atenção. O primeiro foi o susto do mundo quando o chefão da Coréia do Norte, Kim Jong Il, anunciou a explosão bem-sucedida de sua primeira bomba atômica.

Em quase 40 anos, foi o mais assustador desafio ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear, que proíbe a posse de bombas atômicas a todos os países, com quatro exceções: Estados Unidos, China, Inglaterra e França. A União Soviética também podia ter seu arsenal nuclear, mas a Rússia não herdou o sinistro privilégio.

O acordo vinha funcionando relativamente bem. As antigas repúblicas soviéticas eliminaram os estoques herdados da falecida URSS, embora uma bombinha ou outra possa ter sido vendida por baixo do pano. Outros países desistiram formalmente da produção de artefatos, e as potências ocidentais fizeram cortes radicais em suas listas de possíveis alvos. Palmas para os presidentes Bush (o pai, claro) e Clinton. E vaias para a Índia e o Paquistão, que não abandonaram seus programas.

Bush filho, com suas diatribes contra o "eixo do mal" e mais a invasão do Iraque, conseguiu atrapalhar tudo. O Irã anunciou a intensificação de seu programa nuclear (supostamente pacífico, mas quem garante?), e outro dia a Coréia do Norte desafiou o mundo explodindo sua primeira bomba. O mundo tremeu de medo. Menos de que os coreanos realizassem ataques nucleares e sim de que o maluco do Jong começasse a vender artefatos a grupos terroristas. Pela internet, provavelmente. Mas as últimas notícias foram tranqüilizadoras. Pressionado menos pela reação ocidental do que por um pito severo da China, seu principal patrocinador, o governo coreano fez solene promessa de bom comportamento. Pode não ser tudo que se desejava, mas é, com certeza, o melhor que se poderia esperar.

O segundo cenário não se desenvolve em torno de um episódio específico, mas da constatação a cada dia mais sólida de que a intervenção americana no Iraque continua indo de muito mal a bastante pior. O número de soldados americanos mortos cresce sem parar, enquanto aumenta entre os aliados de Washington a descrença no projeto maluco de impor aos iraquianos um Estado de modelo ocidental.

Se, por tudo isso, Bush perder a maioria na Câmara de Representantes nas eleições do mês que vem, desaparecerá mais depressa do que se esperava o seu controle sobre uma aventura militar que muita gente boa já declarou inviável a longo prazo.

Por que tratar desses dois assuntos sem muita ligação entre si? Não sei bem; só desconfio que, quando alguma coisa nos leva a tédio ou desalento dentro de casa, sempre ajuda abrir a janela para ver como vai a vida nos quintais da vizinhança.

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